11 outubro 2019

QUAL O PROBLEMA COM A VENERAÇÃO ÀS IMAGENS RELIGIOSAS?

Alguns "santos" católicos
Qual o problema em se possuir ou venerar uma imagem religiosa? Não foram as pessoas representadas por elas cristãs e servas de Deus exemplares, as quais inspiram a fé dos que lhes veneram? Bom, fosse assim na prática como no discurso, realmente não haveria muitos problemas, pois veríamos pessoas esclarecidas e plenamente conscientes de que a honra, a glória e o culto cristão só se presta a um Ser: ao próprio Deus. Contudo, isso não é assim quando investigamos criteriosamente as atitudes da maioria esmagadora das pessoas em relação às imagens religiosas.
Há muito que os padres justificam o uso de ícones no culto católico-romano dizendo que lá atrás as imagens eram "a Bíblia dos iletrados". Bom, isso foi lá na Idade Média na qual realmente eram muito poucos os que sabiam ler e escrever. Contudo, em pleno século XXI, essa evasiva ainda serviria para justificar a intensa relação dos católicos com as imagens que dizem apenas representar "aqueles que estão lá no céu?".
A verdade é que embora os padres - especialmente os jesuítas - tentem eufemizar a clara e cristalina prática de idolatria no culto às imagens, o fato histórico é que a devoção às mesmas não tem embasamento na doutrina apostólica - embora a igreja romana assim se intitule.
A adoção das imagens como representação do sagrado surgiu e foi difundida a todas as culturas antigas através do paganismo. E por que o paganismo adotou esta forma esdrúxula de reverenciar o sagrado? É que após a Queda de Adão o homem foi perdendo cada vez mais a noção sobre o único e verdadeiro Deus. A sensibilidade espiritual foi ficando cada vez mais turva e obscurecida, embora antes que a Bíblia começasse a ser composta por Moisés em cerca de 1600 a.C., a tradição oral sobre Deus ainda pudesse ser conservada. Mesmo na época de Noé (Gn 6.1-8), ainda não vemos vestígio de idolatria nem de um nascedouro de algum sistema religioso organizado. O ser humano, como dizem as Escrituras, tornara-se corrupto moralmente falando, violento e fanfarrão, mas não idólatra.
Muito provavelmente foi em Babel (ou Babilônia), através de Ninrode, o primeiro ditador da história (Gn 10.8-12; 11.1-9), que o primeiro sistema religioso humano começou a ser organizado. Os intentos deste descendente da terceira geração de Noé e seus maléficos planos de rebelião aberta contra Deus incluíam não somente criar uma sociedade antiteocêntrica, mas um culto que desafiasse Àquele que merece toda honra e toda glória. A maioria dos estudiosos e pesquisadores é unânime em afirmar que a famosa Torre de Babel se tratava de um "templo" idólatra em direção ao céu. Quer dizer, o objetivo de Ninrode era promover a adoração aos astros e corpos celestes. Isso a princípio foi frustrado com a confusão das línguas, mas dentro de pouco tempo surgem os primeiros deuses - não sem razão - ligados ao culto idólatra do que a Bíblia denomina "exército dos céus". Baal, por exemplo, era identificado antigamente ao Sol e assim como este astro quase sempre foi considerado o rei do universo, o próprio teônimo "Baal" no hebraico e outras línguas semíticas antigas significa "senhor" ou "aquele que governa" ou "ele possui", neste aspecto com o sentido de dono, marido. Mais tarde, com a propagação do culto a esse deus em outras culturas pagãs, ele vai ser associado aos planetas Saturno e Júpiter, bem como vai receber diferentes denominações como Baal-Peor entre os moabitas. Não sem razão este mesmo conceito denominacional de aculturar o mesmo deus ao local e à cultura aonde ele foi absorvido, foi adotado no catolicismo romano para designar as várias "manifestações" e "aparições" de Nossa Senhora pelo mundo - evidentemente católico. Em Portugal ela recebeu o título de Nossa Senhora de Fátima; na França de Nossa Senhora de Lourdes, no México de Nossa Senhora de Guadalupe, no Brasil de Nossa Senhora Aparecida, etc. Curioso é que ela nunca apareceu num país de maioria protestante. Por que será?
Mas voltando à nossa linha de raciocínio inicial, a idolatria surge num primeiro momento como uma afronta ao Criador. Com o tempo, ela encontra guarida na vida dos povos pagãos pela necessidade intrínseca do ser humano em cultuar algo que lhe seja superior. O homem foi criado por Deus com a capacidade ímpar de se relacionar com o seu Criador, mas com a entrada do pecado no mundo aquele foi se afastando cada vez mais dEste e a saída para aplacar a consciência humana foi a criação de seus próprios deuses e sistemas religiosos. O culto às imagens é um expediente artificial de uma humanidade que perdeu a visão espiritual e agora tateia no escuro precisando do elemento físico e tangível para acessar o sobrenatural. E não adianta os padres lançarem mão de argumentos toscos e infantis para defenderem seus paroquianos da acusação de idolatria, porque no diálogo de Jesus com a mulher samaritana o Senhor deixou bem explícito a natureza da genuína e exclusiva adoração que Deus aceita. Quando o Mestre diz "Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem" (Jo 4.23), Ele está afirmando isso com base na premissa de que a essência do verdadeiro e único Deus é puramente espiritual, diz Ele "Deus é Espírito" (v.24). Embora sendo uma Pessoa real, Deus não é um personagem físico para que seja representando por meio de objetos físicos e tangíveis. Se a essência de Deus é espiritual, a única forma de adoração aceita por Ele é espiritual.
O culto às imagens - distinguido inutilmente pelos jesuítas em hiperdulia (veneração que se presta à Maria) e dulia (veneração que se presta aos santos) não sendo, segundo eles um caso de latria (adoração que se presta a Deus) - segue uma linha de pensamento em que seria possível adorar a Deus através daqueles que lhes dedicaram uma vida consagrada e piedosa. Pode-se chamar isto de adoração relativa. Mas será que Deus aceitaria uma forma de adoração indireta ou por procuração? Isaías registra de maneira inequívoca as palavras do próprio Deus em seu livro que "Eu sou o SENHOR; este é o meu nome, a minha glória, pois a outrem não darei, nem o meu louvor, às imagens de escultura..." (Is 42.8).
Então o que se pode depreender claramente dessa assertiva divina é a impossibilidade do Criador ser honrado por intermédio de suas criaturas. O que acontece quando o ser humano presta culto a uma imagem é justamente o contrário: Deus é desonrado, pois é trocado inadvertidamente por suas criaturas - neste caso, as pessoas que outrora existiram e são teoricamente representadas pela arte religiosa. Concluí-se então que a apologia jesuítica não passa de um mero jogo-de-palavras, um sofisma para dissimular o afã idólatra de realmente tratar aquele objeto religioso como se fosse algo vivo. Vejam: a maioria absoluta dos católicos - estimo em 98% - cultiva a mais absoluta ignorância de quais sejam os parâmetros para se aferir o verdadeiro cristianismo. Na verdade, eles não conhecem profundamente nem a sua própria fé católica e muito menos se importam se o que estão praticando é genuinamente cristão ou não. Como geralmente são pessoas que vivem à margem da igreja, frequentando missas apenas ocasionalmente e por conveniência, eles possuem apenas uma concepção relativa da religião. Seus jargões mais famosos são que "o importante é ter fé" ou que "cada um com a sua fé".
Esses paupérrimos pressupostos têm até algum sentido quando o assunto seja o livre-arbítrio humano, mas não para caracterizar a autêntica fé cristã. Fé que se vê simplesmente não é fé, pois se o que se chama de fé é incapaz de dispensar o visível e o tangível, isto já deixou de ser fé, é incredulidade. Ao receber a notícia de que Jesus havia ressuscitado dos mortos, o apóstolo Tomé, vacilante, asseverou "Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei" (Jo 20.25). O contexto desta passagem diz que oito dias depois Jesus apareceu novamente aos discípulos e daquela vez Tomé estava presente (v.26). Foi então que o Senhor lhe jogou em rosto sua incredulidade "Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado, não sejas incrédulo, mas crente" (v.27). Ao que Tomé agora convencido e censurado por sua fé condicional, exclamou "Senhor meu, e Deus meu!" (v.28). Jesus retrucou dizendo-lhe "Porque me viste, Tomé, creste, bem-aventurados os que não viram e creram!" (v.29).
É cristalino no contexto dessa passagem que fé não se apoia naquilo que vemos, mas no que não vemos. O autor da carta aos Hebreus ratifica isso ao dizer que "...a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem" (Hb 11.1). E ainda Paulo nos diz que o sentido a ser atingido pela fé é a audição e não a visão (Rm 10.17). Quando ainda novo-convertido, ouvia sempre certo pastor já veterano de minha cidade dizer no rádio "A fé crê no incrível, ouve o inaudível e vê o invisível". Nenhuma relação de fé dos grandes patriarcas, profetas e apóstolos da Bíblia foi pautada no visível. Uma das poucas exceções e ainda bem diferente do uso que se faz de imagens foi o caso de Gideão (Jz 6.17-22; 36-40).
O grande erro no uso das imagens religiosas é que em sua prática, o devoto canaliza para um objeto sem vida todo o seu esforço físico, psicológico, mental e espiritual no qual ele rigorosamente não faz nenhuma distinção entre venerar e adorar como sofismam os padres jesuítas. Na verdade, não existe nenhuma diferença entre os termos latino e grego no qual se pudesse distinguir adorar de venerar. Adorare no latim quer dizer render culto, reverenciar, venerar, amar extremosamente; lautreo no grego significa adorar, servir, prestar serviço sagrado. A própria palavra devoção, no latim devotione, segundo uma página católica da Canção Nova chamada formacao.cancaonova.com significa afeição, dedicação, sacrifício e culto. Ou seja, semanticamente não há diferença alguma entre adorar e venerar.
Curioso é que na mesma página católica, o autor do artigo intitulado "A Igreja Católica e as imagens", o palestrante, escritor e apresentador do programa Desenvolvendo Talentos, Daniel Godri Júnior, admite que em "quase dois mil anos" - um anacronismo proposital, pois a Igreja Católica possui na verdade 1.700 anos - a mesma cometeu erros e justifica tais erros tanto devido à sua longevidade quanto pelo fato de possuir 1 bilhão e meio de seguidores. Também admite em certo parágrafo haver uma exagero no culto às imagens, culpando a ignorância de muitos católicos como explicação para isso. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ele afirma que a Igreja Católica enquanto instituição é "santa" e não erra, ele admite em outras palavras que muitos católicos acabam mesmo por praticar idolatria por ignorância ao se excederem em sua devoção às imagens. Ora, se o Magistério católico é responsável por nortear as práticas dos fiéis, quem errou? O vento? Se os ignorantes praticam idolatria por desconhecimento, por que não os ensinar? Se mesmo a Igreja ensinando-os continuou a haver erros, por que não cortar o mal pela raiz banindo o uso das imagens no culto católico?
O autor comete o velho e falacioso desatino de citar os casos da serpente de bronze que Deus mandou Moisés construir no deserto como tipo do sacrifício de Cristo (Nm 21.4-9) e dos querubins de ouro que foram postos no propiciatório sobre a tampa da arca do concerto (Êx 25.10-22) para justificar biblicamente o uso das imagens pelos católicos. Não quero me deter nesse assunto, pois tornaria o artigo longo demais. Entretanto, basta dizer que quando os judeus quiseram cultuar a mesma serpente de bronze muitos séculos mais tarde (igualmente como os católicos fazem com suas imagens) o justo rei Ezequias procedeu à sua destruição (2 Rs 18.4). Quanto aos querubins do propiciatório, eles ficavam isolados junto com a arca do concerto no compartimento mais restrito do tabernáculo, o santo dos santos, onde só o sumo-sacerdote tinha acesso uma vez por ano. Nenhum israelita, mesmo que quisesse, tinha como "venerar" tais anjos os quais simbolizavam a santidade de Deus no AT; e se o fizessem, certamente seriam imediatamente fulminados, pois seria uma caso de idolatria.
Como dissemos antes, a adoção das imagens pela Igreja Católica foi uma herança, uma espécie de reminiscência do paganismo no seio da cristandade. No ano 375 - portanto, exatos 50 anos após Constantino ter fundado o catolicismo romano -, foi introduzido o culto aos santos como resultado de um sincretismo com o culto pagão de seus deuses e deusas. No ano 787, no segundo Concílio de Niceia, convocado pela imperatriz Irene é que se estabeleceu oficialmente o culto aos santos e às imagens. E no ano 993 deu-se a famigerada canonização dos santos, uma escusa forma do catolicismo manter o seu nefasto domínio político, religioso, e econômico sobre as nações nas quais prevalece.
Para encerrar, ainda tentando defender a Igreja Católica da acusação de idólatra, o mesmo Godri Júnior afirma que o erro católico não é fabricar as imagens e sim as idolatrar... Trata-se de um total nonsense equivalente a dizer que um ladrão que invadisse a sua casa armado não cometeu crime, pois não conseguiu levar nenhum bem o qual lhe pertence. Por isso, o Decálogo em seu 2º mandamento é claro ao proibir primeiramente o fazer, pois em fazendo o ser humano não consegue ficar imune à tentação de cultuar a tal imagem (Êx 20.4,5). Não à toa vemos o Sl 115, na plena acepção da palavra escarnecendo das imagens dizendo que elas têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não veem; têm ouvidos, mas não ouvem; têm nariz, mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; têm garganta, mas som nenhum sai dela. E arremata dizendo que tanto os que as fabricam quanto os que as cultuam (dirigem-lhes preces, louvores, acendem-lhes velas ou se ajoelham diante delas) tornam-se iguaizinhos a elas: têm fisicamente todos os órgãos necessários para os cinco sentidos, mas perderam completamente a sensatez, trocando estupidamente o Deus vivo por um objeto inócuo e sem vida.   
                                       

                       

31 agosto 2019

MARIA É "MÃE DA IGREJA"? - SOBRE O TEMA DO CÍRIO 2019

O cartaz oficial da maior romaria católica do mundo
Como página de apologética cristã precisamos nos posicionar e opinar sobre qualquer movimento ou prática religiosa que em nosso ponto de vista destoa da verdade absoluta do Evangelho e isso inclui temas que, uma vez abordados, acabam por se tornar polêmicos tanto pelo desconhecimento do que seja o genuíno cristianismo, quanto pelo relativismo religioso que caracteriza a sociedade atual. O que iremos dissecar sobre o Círio de Nazaré e em especial sobre o seu tema deste ano, passa longe de qualquer intenção de julgar ou condenar as milhões de pessoas que participam dessa tradicionalíssima romaria realizada  a cada segundo domingo de outubro em Belém do Pará. Reconhecemos a grandeza dessa manifestação católica e sua importância cultural, social e econômica para o estado do Pará que em números absolutos de pessoas envolvidas só deve perder para o Mês de Hamadã, o ápice do calendário muçulmano realizado em Meca. A nossa intenção, destarte, é tão somente analisar a prática e, neste caso específico, a declaração do belo cartaz e suas implicações dentro do escopo do Evangelho e da revelação bíblica.
A declaração da Igreja Católica de que Maria é mãe da Igreja não é nova nem tão antiga quanto a de que ela é "mãe de Deus"*. Intui-se de que pelo fato dela ser mãe de Cristo e Este ser biblicamente declarado O Cabeça da Igreja (Ef 5.23) - que é O Seu corpo místico -, ela também é mãe da Igreja e assim de todos os cristãos. Isso é tanto um silogismo (um erro de lógica) quanto uma doutrina anti-apostólica.
Durante o Concílio Vaticano II, realizado em 1964, o papa Paulo VI declarou "Maria é Mãe da Igreja, isto é, Mãe de todo o povo cristão, tanto dos fiéis como dos pastores". E em 30 de junho de 1968, ele ratificou isso ao dizer: “Nós acreditamos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu a sua missão maternal em relação aos membros de Cristo, cooperando no nascimento e desenvolvimento da vida divina nas almas dos remidos”.
A suposta base bíblica desse dogma católico-romano é o texto de João contido em Jo 19.26,27, o qual diz "Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: eis aí a tua mãe".
Refutar tais assertivas católicas nem é tão difícil assim, mas antes de tudo precisamos ter em mente que Maria ocupa na teologia de Roma uma posição privilegiada que a confere um status, no mínimo, semidivino que enseja o desejo de alguns de elevá-la a uma espécie de 4º membro da Trindade. Na doutrina romana, Maria não é somente colaboradora no processo da redenção como outros personagens bíblicos como Noé, Abraão, Moisés ou Davi. Ela é fundamental e ativamente participativa como na declaração do papa Paulo VI acima. É por isso que no meio católico vemos frases tipo "peça à mãe que o Filho atende", "rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte". É o que denominamos "mariolatria", mas que os católicos se negam a admitir se escusando ao dizer que apenas veneram a mãe de Jesus - o que na prática é rigorosamente uma inverdade.
Todo o plano de redenção da humanidade foi arquitetado na eternidade, onde através de Sua presciência, Deus previu a infeliz escolha de Adão e Eva no Éden (Ap 13.8b). Toda a Santíssima Trindade esteve envolvida na consecução desse plano, mas é comum e bíblico dizer que o Pai planejou a salvação nos céus; o Filho executou-a na cruz e o Espírito Santo torna-a realidade na vida do pecador arrependido. Entretanto, o suposto papel mediativo de Maria foi se inserindo na devoção popular como uma reminiscência do culto pagão prestado à Diana, deusa da caça a quem os gregos que legaram essa tradição aos romanos chamavam Ártemis. Pode-se dizer que o povo sugeriu e com o tempo o magistério católico formalizou teologicamente tal desvio. Porém isso só foi possível porque um cristianismo institucionalizado pelo Estado foi gerado a partir do Concílio de Niceia, realizado em 325.
A partir dali a pureza doutrinária do cristianismo foi sendo sacrificada pelo fato da genuína conversão ser substituída por simples decretos imperiais. Decretos humanos evidentemente não iam transformar a natureza pecaminosa de ninguém. Assim, muitos não conversos passaram a adotar um cristianismo nominal e sincretizado somente para gozar das benesses estatais, visto que Constantino Máximo passou a desencorajar o paganismo fechando templos pagãos e ordenando a construção de templos cristãos.
Essas pessoas que travestiram-se de "cristãos" a partir de então trouxeram consigo toda as suas mazelas pagãs procurando acomodá-las à "nova fé". Entre elas estava a devoção a uma divindade feminina que anteriormente tinha sido a "Diana dos efésios", mas que passou a encontrar em Maria de Nazaré uma assimilação conveniente para a sobrevivência dissimulada da crença. Daí podermos afirmar que a mariolatria não foi originada nas páginas da Bíblia, mas sim na crendice popular.
Um fato importante a registrar aqui é que os pagãos tinham uma relação materno-filial com essas divindades femininas, já que o próprio imperador romano era considerado divino justamente por ser filho de Júpiter (o mesmo Zeus grego). Quando um pagão prestava culto à Diana, sempre tinha-a em mente como sua protetora e mãe. Esse conceito foi transposto para a figura de Maria e ela passou a ocupar uma proeminência afetiva nos sentimentos populares. Mais tarde, já durante a Idade Média, esse conceito vai ser corroborado quando se achou em Maria uma espécie de contraceptivo terno ao iracundo e punitivo Deus pregado pela igreja papal. Assim, a humilde Maria foi cada vez mais sendo transformada em objeto de adoração, embora os monges jesuítas tenham tentado encontrar um meio de dissimular a prática de idolatria dando ao culto de veneração que se presta à Maria o título de hiperdulia e diferenciando-o de latria, o culto que se presta somente a Deus.
Mas outro fato que precisamos trazer à tona aqui é que embora Maria seja de fato e de direito a mãe da humanidade de Jesus, as Escrituras do Novo Testamento não conferem a ela qualquer função co-sacerdotal e co-mediativa no processo da salvação. Esse papel é exclusivo da Trindade divina, pois só Deus pode salvar. Maria é bem-aventurada (Lc 1.48) por ter sido escolhida para ser a mãe do Salvador, mas não a mulher mais bem-aventurada que exercesse por esse fato uma posição preponderante sobre os demais cristãos (Lc 11.27,28).
Apelar para o fato de que o anjo Gabriel chamou-lhe de "bendita entre as mulheres" (Lc 1.28) nada dispensa a ela o protagonismo que a Igreja Católica lhe confere, já que Jael, mulher de Héber, também foi chamada exatamente assim (Jz 5.24).
Por mais esforço que os apologistas católicos façam para forjar uma teologia mariana na Bíblia, a verdade é que eles ficam meramente obrigados a agir exatamente como qualquer seita virulenta medíocre como os mórmons ou as testemunhas de Jeová a fim de darem uma "aparência bíblica" à sua ânsia de adoração idólatra à Maria. E isso fica evidente no texto joanino o qual eles lançam mão para tentar embasar biblicamente o dogma de que Maria é mãe da Igreja.
Na passagem em xeque (Jo 19.26,27) há um contexto social e cultural que nenhum estudante médio das Sagradas Letras deve ignorar.
1) Jesus era o primogênito de Maria e sendo mais velho era o principal responsável por sua mãe (Mt 1.25);
2) À altura dos acontecimentos da crucificação de Jesus, 33 anos após o Seu nascimento, José, seu padrasto já devia ter falecido, pois na sociedade judia daquela época era comum que homens bem mais velhos desposassem mulheres muito jovens;
3) Embora Maria e José tivessem tido filhos textualmente referidos nos evangelhos como Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13.55), estes meio-irmãos de Jesus não criam Nele (Jo 7.5) e seria mais recomendável deixar Sua mãe aos cuidados de um discípulo - pois Maria era crente - do que com os próprios filhos incrédulos;
4) João era o discípulo mais afável e sua atitude na Ceia de recostar a cabeça no peito de Jesus demonstra intimidade (Jo 13.25) e por consequência, livre trânsito entre a família de Jesus e Sua casa;
5) Finalmente, o texto é apenas descritivo e não há qualquer vestígio didático nas epístolas de que seja uma doutrina universal abrangente a todos os cristãos.
Por fim, Jesus faz apenas uma recomendação social a João, tanto que o contexto diz claramente "e desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa" (v. 27). Quanto as palavras dirigidas à Maria, Jesus expressa uma preocupação filial, pois não temos dúvida de que a amava tanto quanto a todos os Seus discípulos. Agora, os católicos naturalmente se ofendem quando lhes falamos a verdade sobre Maria, porque são submetidos por tradição cultural a anos de crendices sem fundamento nas quais as verdades puras e simples da Bíblia são eclipsadas pela pretensiosidade do magistério católico de interpretar exclusivamente as Escrituras para seus fiéis. No caso é o obscurantismo religioso e não o "sacrilégio protestante" que os faz ficar indignados quando despregamos algo sobre Maria que os sacerdotes romanos insistem em erroneamente ensinar. A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos!
*A formalização do dogma de que Maria é mãe de Deus se deu oficialmente no Concílio de Éfeso, realizado em 431, justamente na cidade que por séculos na Antiguidade havia sido erigido um templo à deusa-mãe Diana - considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. É verdade que a decisão do concílio em aplicar à Maria o termo grego theotokos (portadora de Deus) foi inicialmente no sentido de ratificar a plena divindade de Cristo e a unicidade de Sua Pessoa diante das posições heréticas do bispo Nestório, o qual afirmava que em Cristo havia duas Pessoas (uma divina e uma humana) e que por isso Maria não deveria ser chamada "mãe de Deus", pois ela teria gerado somente a humanidade de Jesus. Entretanto, a formalização do dogma da mather-dei acabou gerando seus efeitos colaterais, fazendo com que o povo ignorante assimilasse-o num sentido de divinização de Maria. Neste caso, tanto a ignorância quanto a conveniência do espírito pagão reminiscente em professos "cristãos", absorveu a formulação teológica oficial como uma luva à sua indebelável inclinação idólatra. O que foi originalmente formulado para reforçar o protagonismo de Cristo como Deus, acabou por ser usado para exaltar Maria além do papel destinado a ela.