31 agosto 2019

MARIA É "MÃE DA IGREJA"? - SOBRE O TEMA DO CÍRIO 2019

O cartaz oficial da maior romaria católica do mundo
Como página de apologética cristã precisamos nos posicionar e opinar sobre qualquer movimento ou prática religiosa que em nosso ponto de vista destoa da verdade absoluta do Evangelho e isso inclui temas que, uma vez abordados, acabam por se tornar polêmicos tanto pelo desconhecimento do que seja o genuíno cristianismo, quanto pelo relativismo religioso que caracteriza a sociedade atual. O que iremos dissecar sobre o Círio de Nazaré e em especial sobre o seu tema deste ano, passa longe de qualquer intenção de julgar ou condenar as milhões de pessoas que participam dessa tradicionalíssima romaria realizada  a cada segundo domingo de outubro em Belém do Pará. Reconhecemos a grandeza dessa manifestação católica e sua importância cultural, social e econômica para o estado do Pará que em números absolutos de pessoas envolvidas só deve perder para o Mês de Hamadã, o ápice do calendário muçulmano realizado em Meca. A nossa intenção, destarte, é tão somente analisar a prática e, neste caso específico, a declaração do belo cartaz e suas implicações dentro do escopo do Evangelho e da revelação bíblica.
A declaração da Igreja Católica de que Maria é mãe da Igreja não é nova nem tão antiga quanto a de que ela é "mãe de Deus"*. Intui-se de que pelo fato dela ser mãe de Cristo e Este ser biblicamente declarado O Cabeça da Igreja (Ef 5.23) - que é O Seu corpo místico -, ela também é mãe da Igreja e assim de todos os cristãos. Isso é tanto um silogismo (um erro de lógica) quanto uma doutrina anti-apostólica.
Durante o Concílio Vaticano II, realizado em 1964, o papa Paulo VI declarou "Maria é Mãe da Igreja, isto é, Mãe de todo o povo cristão, tanto dos fiéis como dos pastores". E em 30 de junho de 1968, ele ratificou isso ao dizer: “Nós acreditamos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu a sua missão maternal em relação aos membros de Cristo, cooperando no nascimento e desenvolvimento da vida divina nas almas dos remidos”.
A suposta base bíblica desse dogma católico-romano é o texto de João contido em Jo 19.26,27, o qual diz "Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: eis aí a tua mãe".
Refutar tais assertivas católicas nem é tão difícil assim, mas antes de tudo precisamos ter em mente que Maria ocupa na teologia de Roma uma posição privilegiada que a confere um status, no mínimo, semidivino que enseja o desejo de alguns de elevá-la a uma espécie de 4º membro da Trindade. Na doutrina romana, Maria não é somente colaboradora no processo da redenção como outros personagens bíblicos como Noé, Abraão, Moisés ou Davi. Ela é fundamental e ativamente participativa como na declaração do papa Paulo VI acima. É por isso que no meio católico vemos frases tipo "peça à mãe que o Filho atende", "rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte". É o que denominamos "mariolatria", mas que os católicos se negam a admitir se escusando ao dizer que apenas veneram a mãe de Jesus - o que na prática é rigorosamente uma inverdade.
Todo o plano de redenção da humanidade foi arquitetado na eternidade, onde através de Sua presciência, Deus previu a infeliz escolha de Adão e Eva no Éden (Ap 13.8b). Toda a Santíssima Trindade esteve envolvida na consecução desse plano, mas é comum e bíblico dizer que o Pai planejou a salvação nos céus; o Filho executou-a na cruz e o Espírito Santo torna-a realidade na vida do pecador arrependido. Entretanto, o suposto papel mediativo de Maria foi se inserindo na devoção popular como uma reminiscência do culto pagão prestado à Diana, deusa da caça a quem os gregos que legaram essa tradição aos romanos chamavam Ártemis. Pode-se dizer que o povo sugeriu e com o tempo o magistério católico formalizou teologicamente tal desvio. Porém isso só foi possível porque um cristianismo institucionalizado pelo Estado foi gerado a partir do Concílio de Niceia, realizado em 325.
A partir dali a pureza doutrinária do cristianismo foi sendo sacrificada pelo fato da genuína conversão ser substituída por simples decretos imperiais. Decretos humanos evidentemente não iam transformar a natureza pecaminosa de ninguém. Assim, muitos não conversos passaram a adotar um cristianismo nominal e sincretizado somente para gozar das benesses estatais, visto que Constantino Máximo passou a desencorajar o paganismo fechando templos pagãos e ordenando a construção de templos cristãos.
Essas pessoas que travestiram-se de "cristãos" a partir de então trouxeram consigo toda as suas mazelas pagãs procurando acomodá-las à "nova fé". Entre elas estava a devoção a uma divindade feminina que anteriormente tinha sido a "Diana dos efésios", mas que passou a encontrar em Maria de Nazaré uma assimilação conveniente para a sobrevivência dissimulada da crença. Daí podermos afirmar que a mariolatria não foi originada nas páginas da Bíblia, mas sim na crendice popular.
Um fato importante a registrar aqui é que os pagãos tinham uma relação materno-filial com essas divindades femininas, já que o próprio imperador romano era considerado divino justamente por ser filho de Júpiter (o mesmo Zeus grego). Quando um pagão prestava culto à Diana, sempre tinha-a em mente como sua protetora e mãe. Esse conceito foi transposto para a figura de Maria e ela passou a ocupar uma proeminência afetiva nos sentimentos populares. Mais tarde, já durante a Idade Média, esse conceito vai ser corroborado quando se achou em Maria uma espécie de contraceptivo terno ao iracundo e punitivo Deus pregado pela igreja papal. Assim, a humilde Maria foi cada vez mais sendo transformada em objeto de adoração, embora os monges jesuítas tenham tentado encontrar um meio de dissimular a prática de idolatria dando ao culto de veneração que se presta à Maria o título de hiperdulia e diferenciando-o de latria, o culto que se presta somente a Deus.
Mas outro fato que precisamos trazer à tona aqui é que embora Maria seja de fato e de direito a mãe da humanidade de Jesus, as Escrituras do Novo Testamento não conferem a ela qualquer função co-sacerdotal e co-mediativa no processo da salvação. Esse papel é exclusivo da Trindade divina, pois só Deus pode salvar. Maria é bem-aventurada (Lc 1.48) por ter sido escolhida para ser a mãe do Salvador, mas não a mulher mais bem-aventurada que exercesse por esse fato uma posição preponderante sobre os demais cristãos (Lc 11.27,28).
Apelar para o fato de que o anjo Gabriel chamou-lhe de "bendita entre as mulheres" (Lc 1.28) nada dispensa a ela o protagonismo que a Igreja Católica lhe confere, já que Jael, mulher de Héber, também foi chamada exatamente assim (Jz 5.24).
Por mais esforço que os apologistas católicos façam para forjar uma teologia mariana na Bíblia, a verdade é que eles ficam meramente obrigados a agir exatamente como qualquer seita virulenta medíocre como os mórmons ou as testemunhas de Jeová a fim de darem uma "aparência bíblica" à sua ânsia de adoração idólatra à Maria. E isso fica evidente no texto joanino o qual eles lançam mão para tentar embasar biblicamente o dogma de que Maria é mãe da Igreja.
Na passagem em xeque (Jo 19.26,27) há um contexto social e cultural que nenhum estudante médio das Sagradas Letras deve ignorar.
1) Jesus era o primogênito de Maria e sendo mais velho era o principal responsável por sua mãe (Mt 1.25);
2) À altura dos acontecimentos da crucificação de Jesus, 33 anos após o Seu nascimento, José, seu padrasto já devia ter falecido, pois na sociedade judia daquela época era comum que homens bem mais velhos desposassem mulheres muito jovens;
3) Embora Maria e José tivessem tido filhos textualmente referidos nos evangelhos como Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13.55), estes meio-irmãos de Jesus não criam Nele (Jo 7.5) e seria mais recomendável deixar Sua mãe aos cuidados de um discípulo - pois Maria era crente - do que com os próprios filhos incrédulos;
4) João era o discípulo mais afável e sua atitude na Ceia de recostar a cabeça no peito de Jesus demonstra intimidade (Jo 13.25) e por consequência, livre trânsito entre a família de Jesus e Sua casa;
5) Finalmente, o texto é apenas descritivo e não há qualquer vestígio didático nas epístolas de que seja uma doutrina universal abrangente a todos os cristãos.
Por fim, Jesus faz apenas uma recomendação social a João, tanto que o contexto diz claramente "e desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa" (v. 27). Quanto as palavras dirigidas à Maria, Jesus expressa uma preocupação filial, pois não temos dúvida de que a amava tanto quanto a todos os Seus discípulos. Agora, os católicos naturalmente se ofendem quando lhes falamos a verdade sobre Maria, porque são submetidos por tradição cultural a anos de crendices sem fundamento nas quais as verdades puras e simples da Bíblia são eclipsadas pela pretensiosidade do magistério católico de interpretar exclusivamente as Escrituras para seus fiéis. No caso é o obscurantismo religioso e não o "sacrilégio protestante" que os faz ficar indignados quando despregamos algo sobre Maria que os sacerdotes romanos insistem em erroneamente ensinar. A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos!
*A formalização do dogma de que Maria é mãe de Deus se deu oficialmente no Concílio de Éfeso, realizado em 431, justamente na cidade que por séculos na Antiguidade havia sido erigido um templo à deusa-mãe Diana - considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. É verdade que a decisão do concílio em aplicar à Maria o termo grego theotokos (portadora de Deus) foi inicialmente no sentido de ratificar a plena divindade de Cristo e a unicidade de Sua Pessoa diante das posições heréticas do bispo Nestório, o qual afirmava que em Cristo havia duas Pessoas (uma divina e uma humana) e que por isso Maria não deveria ser chamada "mãe de Deus", pois ela teria gerado somente a humanidade de Jesus. Entretanto, a formalização do dogma da mather-dei acabou gerando seus efeitos colaterais, fazendo com que o povo ignorante assimilasse-o num sentido de divinização de Maria. Neste caso, tanto a ignorância quanto a conveniência do espírito pagão reminiscente em professos "cristãos", absorveu a formulação teológica oficial como uma luva à sua indebelável inclinação idólatra. O que foi originalmente formulado para reforçar o protagonismo de Cristo como Deus, acabou por ser usado para exaltar Maria além do papel destinado a ela.