INTRODUÇÃO
12 de outubro de 1995. Estúdios da TV Record, São Paulo. O então bispo Von Helde, da Igreja Universal do Reino de Deus aparece no programa “O Despertar da Fé” com uma imagem de “Nossa” Senhora de Aparecida. Discorrendo sobre a inutilidade e impotência das imagens religiosas, o eclesiástico começa a tocar e bater com os pés na imagem de mais ou menos um metro e meio em rede nacional. Era a faísca que veio a explodir uma verdadeira guerra “santa” nunca vista a poucos anos do Brasil completar 500 anos de existência. A insana atitude de Von Helde, justamente num feriado dedicado à dita padroeira do Brasil, chocou e revoltou católicos praticantes e professos, anônimos e famosos, ateus, agnósticos e adeptos de outras religiões e seitas. Naqueles meados de década de 1990, ainda não vivíamos o fenômeno da internet, mas mesmo assim o episódio ganhou uma enorme repercussão ao ser veiculado naquela quinta-feira no Jornal Nacional.
Não quero entrar aqui no mérito das questões mercadológicas entre a Rede Globo e a Rede Record, mas o cerco da imprensa encabeçada pelo império de Roberto Marinho foi praticamente uma inquisição, não apenas à cúpula da Universal, mas a todos os evangélicos, sem o critério de qualquer distinção, como se todos houvessem concordado com aquela repreensível atitude. Logo um batalhão de repórteres, empunhando microfones como se fossem espadas, cobrava explicações de autoridades evangélicas – que eles mal sabiam a qual recorrer – como ao reverendo Caio Fábio. No dia seguinte, todo tipo de retaliação à igreja de Edir Macedo pôde se registrada. Um homem com uma enxada, ensandecido, entrou num templo da denominação e ameaçou pastores e membros. Foram registradas outras tentativas de invasão, bem como templos incendiados, apedrejamentos e ameaças de bomba. Eram as contas da ousadia e do desrespeito de Von Helde chegando.
Naquele momento, tínhamos em torno de 17 a 20 milhões de evangélicos no país numa taxa de crescimento de 10 a 13% ao ano. Esse boom do rebanho dito “protestante” era liderado, sobretudo, pelos neopentecostais e mais especialmente pela Igreja Universal motivando, inclusive, o então papa João Paulo II a vir ao Brasil em 1997. A grande vedete do fabuloso crescimento neopentecostal era a chamada Teologia da Prosperidade. Encabeçada no Brasil pelo “bispo” Edir Macedo, essa corrente “evangélica” de sotaque norte-americano começou a dilacerar e até mesmo a difamar todo o bom rótulo que envolvia o termo “evangélico”. Com um discurso entusiasta e oportunista, um proselitismo interdenominacional e agressivo (principalmente contra os cultos afros e espíritas), o neopentecostalismo foi enraizando-se no emaranhado religioso brasileiro.
É bom que se diga que antes do episódio do 12 de outubro, Edir Macedo já havia sido preso em 1992 sob acusação de charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Tomando as dores do clero católico (que, verdade seja dita, teve uma atitude serena tentando evitar uma explosão de reações violentas), a TV de Roberto Marinho tentou de todas as formas jogar a opinião pública contra Macedo. E nem precisou tanto esforço, pois o próprio daria mostras pertinentes dessa suspeita. Num vídeo entregue a Globo pelo ex-bispo Carlos Magno de Miranda (que chegou a ser o "braço direito" de Edir Macedo) o "bispo" aparece ensinando a pastores como tomar dinheiro dos fiéis. No mesmo ano, 23 dias antes do episódio do chute na imagem, a Rede Globo exibiu a minissérie Decadência, onde num capítulo um sutiã é atirado sobre a Bíblia. A Universal tentou de todas as formas esvaziar a clara intenção de Decadência, que era atingir Edir Macedo e sua igreja. Antes da estreia da minissérie, a TV Record alvejou a Rede Globo e a Igreja Católica através de seus jornais e em programas como o 25ª Hora. Em nenhum momento, a repercussão negativa do chute na imagem deteve o crescimento da Teologia da Prosperidade, pelo contrário, só a tornou mais popular ainda, pois o brasileiro é por natureza (para o bem ou para o mal) um povo crédulo e manipulável.
Hoje a situação é um pouco diferente daquela segunda metade de década de 1990. A Universal continua inimiga pública número um do catolicismo, a TV Record é o maior desafeto da Globo e vice-versa, mas o discurso agressivo de outrora brandeou. Segundo Maurício Mendonça em artigo escrito sobre a TP, a partir de 2001, a IURD começou a adotar algumas nomenclaturas espíritas como forma de tornar mais atraente e familiar suas investidas contra essa vertente religiosa. Seria uma forma de tornar o discurso contra as práticas espíritas e afro-brasileiras mais simpático e popular. Mas podemos acrescentar a isso o fato de que a Justiça obrigou a retirada de circulação da obra Orixás, Caboclos e Guias (Deuses ou Demônios?), em 2005. Edir Macedo achou assim uma saída para adaptar suas sessões de exorcismo e programas televisivos do tipo para não enfrentar novos problemas judiciais. Embora o Tribunal Regional Federal o tenha liberado um ano depois, parece que Edir Macedo viu na necessidade de adaptação terminológica, uma oportunidade estratégica para se aproximar dos adeptos e simpatizantes do espiritismo, que segundo alguns, é a verdadeira prática religiosa majoritária no Brasil. Não se usa mais, por exemplo, o termo “possessão” e sim “encosto”; prefere-se a expressão “servia aos espíritos” do que “servia aos demônios”, etc. Também há o fato de que a Universal não está mais sozinha no mercado da prosperidade. Desde o fim dos anos 1990 e início dos 2000, dois ex-associados de Edir Macedo cresceram e ameaçam a soberania universalina na disseminação da TP: o seu cunhado Romildo Ribeiro Soares, fundador e mentor da Igreja Internacional da Graça de Deus e o intitulado “apóstolo” Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus. Há ainda outros personagens midiáticos como o “apóstolo” Estevam Hernandes e sua esposa, a “bispa” Sônia, da Igreja Renascer em Cristo; Valnice Milhomens, da Igreja Nacional de Cristo, o pastor e deputado Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra e mais ultimamente o “apóstolo” (quem o separou?) Agenor Duque, sua esposa, a “bispa” Ingrid Duque e o filho do casal, o “pastor” Allan Duque, da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus.
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R.R. Soares e Valdemiro Santiago Fonte: Blog A Igreja ao Gosto do Freguês |
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Ingrid e Agenor Duque Fonte: Site O Fuxico Gospel |
A Teologia da Prosperidade é um grande desafio à Igreja contemporânea; a sua mensagem é um brado eloquente no seio de uma sociedade bombardeada pelos efêmeros valores do capitalismo. A TP nasceu e cresceu no solo da nação mais rica e próspera do planeta, a sede mundial do capitalismo. Lá, o eixo temático de sua mensagem move-se em torno do “ter mais”. No Brasil, um país com índices lastimáveis de desigualdade social e concentração de renda, subemprego, trabalho informal, péssimo estado da saúde pública, habitação e saneamento, a TP se desenvolveu em torno do “ter”. Por pregarem o paraíso na terra, os mestres da prosperidade logram grande êxito induzindo o fiel a imaginar que tudo está à disposição de quem crê em Jesus. Basta para isso que se dedique à prática dos dízimos e das ofertas “sacrificando” sua renda e bens em campanhas e “fogueiras santas”.
Um dos mais conhecidos lemas da TP é a expressão PARE DE SOFRER! Intui-se que o Evangelho de Cristo é obrigatoriamente a solução para todos os males sociais e econômicos. Estes seriam provocados pela falta de uma fé prática e eficiente, o que deixaria o indivíduo a mercê do diabo e seus demônios. Na linha doutrinária da TP, Satanás precisa ser combatido, pois é um empecilho entre o fiel e a bênção. Ele é o causador de toda doença e toda dificuldade financeira. A participação efetiva nas campanhas em associação com “sessões de descarrego” (hoje rebatizada “desmanche espiritual”) deixaria o crente livre das ações diabólicas abrindo o caminho para a bênção e a prosperidade. Uma forma de alcançar e incentivar o fiel à participação nas campanhas de prosperidade é a larga utilização da simbologia e da consagração de objetos que acabam sendo usados como amuletos e talismãs. Grande parte dessas campanhas nasce de textos e passagens do Antigo Testamento tomadas à revelia de seu contexto histórico, cultural e tipológico. Eis a importância de analisarmos a TP de forma mais aprofundada conhecendo as suas origens, desenvolvimento, pressupostos, características e desvios. Onde ela é pregada, por quem ela é pregada, por que mesmo sendo tão rechaçada por parte de seus críticos e oponentes, ela permanece tão popular? É o que pretendemos nessa abordagem na qual o nosso máximo objetivo é traçar a linha divisória entre o genuíno Evangelho, bíblico e apostólico, e o evangelho que faz da Igreja um mero pronto-socorro e banco de investimentos financeiros, no qual Deus é servo de Sua própria palavra.
I- HISTÓRICO
“Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina, pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (2 Tm 4.3,4 – ARA). 1.1-Origem ocultista O cerne da Teologia da Prosperidade foi desenvolvido a partir das ideias do hipnotizador e curandeiro Phineas Parkhurst Quimby (1802-1866). Nascido em Lebanon, estado de New Hampshire, Quimby era um dos sete filhos de um ferreiro que pouco pôde fazer para dar-lhe uma instrução formal. Sofria desde a sua infância de algumas doenças que o despertou a estudar o assunto. Foi aí que ele desenvolveu algumas ideias sobre a habilidade das pessoas em curar suas enfermidades através do poder da mente. É nesse ínterim que surge Mary Baker Eddy. Nascida no mesmo estado, mas na cidade de Bow, Eddy era a caçula de uma família de três irmãos. Seu histórico não é muito diferente dos demais fundadores de seitas e movimentos heréticos, pois seus pais pertenciam à Igreja Congregacional, mas devido à discordância com a doutrina da predestinação, ela se predispôs a tomar um caminho inverso à da ortodoxia cristã. Eddy também não tinha uma boa saúde e sofria de ataques nervosos crônicos. Estimulada pela mãe, ela lia diariamente a Bíblia buscando inspiração para suas orações nos Salmos e em qualquer passagem de promessa de cura.
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Phineas Quimby Fonte: Read The Spirit |
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Mary Baker Eddy Fonte: Wikipedia |
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Essek Kenyon Fonte: Libertos do Opressor |
- ῥῆμα (rheema) significa "palavra, dito, expressão, coisa, objeto, assunto, evento”;
- λόγος (logos) significa "palavra, discurso, razão, pregação, proclamação, mensagem”.
Afirmam ser λόγος a palavra de Deus escrita, a Bíblia, e ῥῆμα, a palavra falada por Deus em revelação ou inspiração a uma pessoa em qualquer época. Desse modo é possível repetir “com fé” qualquer promessa bíblica aplicando a sua necessidade e exigir de Deus seu cumprimento. Os adeptos da Confissão Positiva acreditam ser a Bíblia a palavra de Deus, mas não a única com autoridade, pois a palavra do crente tem a mesma autoridade. O crente deve declarar o que já está prometido por Deus na Bíblia e essa declaração se cumprirá. Também basta negar certas coisas que elas deixam de existir, exemplo enfermidades.Entretanto, bastar analisarmos o uso que Lucas e Pedro fazem alternadamente das duas formas gregas para "palavra" e verificaremos que tal diferenciação não existe na língua original do NT. Em Lc 9.44, o evangelista diz:
Θεσθε υμεις εις τα ωτα υμων τους λογους τουτους ο γαρ υιος του ανθρωπου μελλει παραδιδοσθαι εις χειρας ανθρωπων
Tradução: "Ponde vós estas palavras em vossos ouvidos, porque o Filho do homem será
entregue nas mãos dos homens".
No versículo 45, lê-se no grego:
Οι δε ηγνοουν το ρημα τουτο και ην παρακεκαλυμμενον απ αυτων ινα μη αισθωνται αυτο και εφοβουντο ερωτησαι αυτον περι του ρηματος τουτου
Tradução: "Mas eles não entendiam esta palavra, que lhes era encoberta, para que a
não compreendessem; e temiam interrogá-lo acerca desta palavra".
Já o apóstolo em 1 Pe 1.23, diz:
...δια λογου ζωντος Θεου και μενοντος εις τον αιωνα
Tradução: "pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre".
No versículo 25, o discípulo-pescador nos fala:
το δε ρημα Κυριου μενει εις τον αιωνα
Tradução: "Mas a palavra do Senhor permanece para sempre".
Fiz questão de reproduzir essa análise acima porque ela é fundamental para derrubar os pressupostos dos falsos mestres da TP quanto à questão de "tomar posse" e "confessar pra Deus a sua vitória", coisas que infelizmente até pastores pentecostais desavisados têm usado como forma de mover os "glórias" e "aleluias" das igrejas.
1.2- Como a TP chegou ao Brasil?
Como vimos, a TP é de fabricação norte-americana. Surgiu na década de 40, mas se popularizou a partir dos anos 70. Algo importante a esclarecer é que ao princípio ela era puramente filosófica estando desvinculada do aspecto materialista e mercadológico. Quer dizer, enfatizava-se somente a questão da saúde plena e da cura. Quem agregou-lhe o aspecto de "vida abundante" foi o televangelista norte-americano Oral Roberts, na década de 1950. Roberts ensinava o conceito do retorno financeiro sete vezes do valor ofertado. Esse conceito ganharia maior repercussão no ministério do casal Keneth e Gloria Copeland, nos anos 70. Segundo o saudoso pastor Natanael Rinaldi, em artigo escrito para o Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP), foi com a tradução para o português dos livros de Kenneth Hagin pela editora Betânia que os brasileiros começaram a ter contato com a TP. Posteriormente, ele esteve em São Paulo onde ministrou um seminário para caravanas de crentes e pastores. A partir daí o lastimável modismo de alguns pregadores de assoprar no microfone para derrubar as pessoas, jogar o paletó e até empurrá-las para caírem no "poder de Deus" foram amplamente copiadas. Em fins dos anos 1970, o “bispo” Edir Macedo – já então líder da IURD, muda-se para Nova York, nos EUA, ao que tudo indica, para conhecer de perto as estratégias e o fenômeno dos televangelistas norte-americanos. Além de ter contato com os ensinos e os pupilos de Kenneth Hagin, Macedo fixa a ideia de adquirir uma rede de TV. Só assim ele conseguiria alcançar mais rapidamente seus objetivos de implantar uma nova corrente pentecostal, bem diversa das duas anteriores implantadas no Brasil. Segundo depoimento de seu ex-braço direito, o ex-bispo Carlos Magno de Miranda, a Universal já praticava as famosas sessões de exorcismo em seus cultos; a contextualização dentro da Teologia da Prosperidade veio depois.
Como se sabe, o Brasil é um país com fortes laços com o animismo indígena e africano, um celeiro de crendices e superstições os quais torna as pessoas suscetíveis a essas entidades espirituais (demônios) que as manipulam. Logo os trabalhos de curandeirismo e exorcismo de Edir Macedo ganharam notoriedade popular. Nunca ninguém tinha ousado desafiar essas entidades de frente. Os pentecostais clássicos e os da segunda geração, aqui e acolá tiveram seus embates diretos com o reino das trevas, mas nunca tornaram isso a linha de frente de suas ações evangelísticas. Já Macedo percebeu o poder de atratividade e os consequentes lucros de se lidar diariamente com os demônios. Quando conheceu as assertivas do movimento Palavra da Fé, aí então ele encontrou a sua “galinha dos ovos de ouro”.
Macedo e a IURD atravessaram os anos 1980 quase despercebidos da maioria dos brasileiros. Foi quando em 1989 o “bispo” adquiriu uma quase falida TV Record e o jogo começou a virar a seu favor. Segundo ainda o depoimento de Carlos Magno de Miranda, o negócio com os Machado de Carvalho e o grupo Silvio Santos – que detinham as ações da TV – foi fechado a troco de conluio, esperteza e é claro, o suado dinheiro dos fiéis (até do narcotráfico segundo o ex-bispo). Já nos primeiros anos da década de 1990, a diferença era sensível: a IURD havia se expandido em todo o Brasil e Edir Macedo não era somente mais um líder “evangélico” no país, era a sensação do momento e o religioso mais midiático da TV brasileira. Logo, sociólogos, jornalistas, artistas e autoridades em geral estavam de olho no eclesiástico. Aquelas reuniões da IURD nas quais o diabo era protagonista, Jesus era coadjuvante e as salvas se enchiam de notas de cruzados novos, jamais foram vistas em qualquer época do Evangelho no Brasil. Os cinemas viravam templos, os estádios já não lotavam apenas nos dias de grandes clássicos, finais de campeonato ou concertos de mega-stars.
Os programas da IURD, combatendo, sobretudo o espiritismo kardecista e os cultos afrobrasileiros, ganharam a antipatia de muitos, principalmente de juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Como se sabe, o Brasil é um país religiosamente sincretista no qual a maioria “católica” também adere a práticas espíritas, umbandistas e do candomblé. Talvez movidos até mais por suas simpatias e inclinações religiosas, essas autoridades resolveram criar o seu tribunal do santo ofício. Ainda que não tenhamos provas, poder-se-ia somar a isso o fato de que Roberto Marinho, o dono da Rede Globo, era declaradamente espírita. Em 1992 ocorreu a prisão de Edir Macedo por 11 dias, acusado de charlatanismo, estelionato e curandeirismo.
A prisão de Edir teve uma espécie de efeito colateral, pois só aumentou a sua popularidade, o crescimento de sua igreja e a expansão da Teologia da Prosperidade. Três anos mais tarde aconteceu o incidente com a imagem de Aparecida. Talvez nunca um episódio de cunho religioso tenha causado tanto quiproquó nem uma entidade religiosa sofresse tamanha retaliação. Mas nem mesmo a guerra religiosa promovida, sobretudo pela Rede Globo impediu a IURD de se transformar num império religioso. Desse ponto é que gostaríamos de abordar mais especificamente a TP. Por que mesmo com tantos episódios de conotação negativa ela se tornou cada vez mais popular no Brasil? Vale para ela aquele precedente do conselho de Gamaliel quanto à igreja primitiva? (At 5.34-39). O fato da perseguição à IURD não ter detido o crescimento da igreja prova que ela é inteiramente obra de Deus? É aqui que cabe uma análise mais acurada dos postulados e práticas da TP.
“E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas...” (2 Pe 2.3a – ARC).
2.1 – Autoridade espiritual:
Um crente suficientemente maduro não deixará de perceber o pretenso ar de superioridade espiritual dos pregadores da TP. O simples fato de seu convite proselitista incluir evangélicos de outras denominações já denota isso. Antes de seu advento na mídia, ninguém ousou imaginar crentes convidando crentes para deixarem suas igrejas e irem às reuniões de uma igreja também evangélica. Isso era bastante comum dos crentes em relação aos católicos e a todos os não evangélicos. Kenneth Hagin dizia que Deus havia dado autoridade (unção) a profetas nos dias atuais como seus porta-vozes. Dizia ele que recebia revelações diretamente do Senhor e que a sua unção de profeta era a mesma unção dos profetas bíblicos multiplicada cem vezes. Pregadores como Edir Macedo, R.R. Soares e Agenor Duque tomaram isso literalmente para si. Isso se reflete também em outra característica desses homens: o automarketing. Dos citados acima, somente R.R. Soares acomodou-se a um título menos pretensioso: o de missionário. Mas cabe ainda aquela velha pergunta: quem o enviou, já que ele rompeu com seu cunhado Macedo e fundou sua própria igreja?
Edir Macedo foi mais além ao tomar para si o título de “bispo”. Seus concorrentes mais recentes como Valdemiro Santiago e o próprio Agenor Duque tomaram logo o título de “apóstolo”. O termo é mais grandiloquente e reveste-se de um eco mais retumbante num mercado de grandes rivais. Quem os teria investido ao apostolado? Muito provavelmente responderiam eles: o próprio Deus! É bom que se esclareça que na Bíblia não existe o ofício de apóstolo. Alguns até tentam distorcer o texto de Ef 4.11 para insinuar que “apóstolo” é um cargo. Porém ali Paulo está apenas descrevendo os dons ministeriais dados por Cristo à Sua Igreja. A função de apóstolo até pode existir, pois o termo no grego quer dizer “alguém enviado em missão de caráter extraordinário”. O apóstolo é um desbravador, um missionário. Valdemiro, Agenor, Estevam Hernandez, Jorge Tadeu não são legitimamente “apóstolos”, primeiro porque não existe o ofício, segundo porque eles não são desbravadores, então não devem dar-se o título nem em termos funcionais. Eles iniciaram suas igrejas onde já havia dezenas de outras; semearam em terreno alheio. Não foram eles iniciar suas denominações numa comunidade isolada na Amazônia, nas savanas africanas ou entre os aborígines na Oceania. A Bíblia alerta mais de uma vez quanto aos riscos espirituais que esses autointitulados “apóstolos” podem trazer aos crentes: com Paulo (2 Co 11.13) e com Jesus (Ap 2.2). Como disse o pastor Silas Malafaia: daqui um tempo vai aparecer um intitulando-se “vice-Deus”.
2.2 – Bênçãos e maldições
Um dos pressupostos que mais causou burburinhos e discussões teológicas no meio evangélico foi a questão de bênçãos e maldições na vida do crente. Como a TP é uma espécie de evangelho triunfalista, afirma-se que o cristão tem direito de reivindicar as bênçãos de Deus na sua vida. À revelia de seu contexto teológico e exegético, Hagin dizia com base em Gl 3.13,14 que fomos libertos da maldição da lei. Tomando emprestadas a lista de bênçãos e possíveis maldições de Dt 28.1-68, ele afirmava que o cristão tem direito à saúde e riqueza. Cristo teria nos resgatado da maldição da lei, que como disse, incluiria: 1) Pobreza; 2) Doença e 3) Morte espiritual. Na TP as palavras de Jesus em Mt 6.33 são pontualmente ignoradas. Não nos deve surpreender então quando vemos as igrejas da prosperidade enfatizando muito mais as bênçãos materiais do que a morada no céu.
Gl 3.13,14 em seu contexto teológico está afirmando algo completamente diferente do que defendia Hagin. Ali, Paulo está discorrendo sobre a impotência da lei para nos salvar. A teologia paulina nos ensina que a lei nos conduziu à fé em Cristo como único meio de encontrarmos justificação em Deus (vs. 23,24). O âmago da teologia paulina em Gálatas é puramente espiritual, até por que ele estava refutando toda a teologia judaizante a qual sofismava que para se alcançar a salvação, necessário se fazia não só a fé em Cristo, mas a observância ao cerimonialismo da Lei. A “maldição” de que fala o v. 13 então seria apenas o resultado do aspecto condenatório da Lei. Devido à impossibilidade de a observarmos na íntegra, ela acabaria resultando em condenação e disso Cristo nos resgatou. O fato de citar a “benção de Abraão” no v.14 parece motivar os pregadores da prosperidade a inculcar a seus ouvintes que as bênçãos materiais são uma obrigação do Evangelho. Porém, como vimos de acordo com o contexto, isso só pode ser sugerido forçosamente. Se Paulo realmente compartilhasse a ideia de que o cristão tem de ser necessariamente rico como foi Abraão, jamais diria o que disse em Fp 4.12.
Outro texto preferido de Hagin é Is 53.4,5. Neste texto, a ênfase predileta (e de muitos crentes desprevenidos também) é a parte que afirma que Cristo levou sobre si as nossas enfermidades e que pelas suas pisaduras nós fomos sarados. Não se pode ignorar que Mateus, um dos apóstolos, relacionou a cura da sogra de Pedro, bem como a cura e a libertação de outros, à passagem descrita pelo profeta Isaías (Mt 8.14-17) acima. O problema não está em reconhecer que a cura física também faz parte da redenção em Cristo. O problema é propagandear em linhas absolutas que o cristão não pode de forma alguma admitir qualquer doença em sua vida: e o pior, relacioná-la indistintamente a uma ação diabólica. Esse é o erro de Hagin transmitido a todos seus discípulos da TP. A Bíblia prova por si só que isso é uma perigosa generalização.
Já nas admoestações finais em sua primeira carta a Timóteo (1 Tm 5.23), Paulo diz ao jovem pastor da igreja efésia: “Não bebas mais água, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago, e das tuas constantes enfermidades”. Fosse o pressuposto da TP referendado pelo “doutor dos gentios”, ele, no mínimo, invocaria a passagem de Is 53.4,5 para exortar Timóteo a não aceitar tal enfermidade gastroenterológica. O próprio apóstolo foi acometido de um misterioso “espinho na carne” (2 Co 12.7-10) e ao orar ao Senhor não invocou qualquer promessa de cura nem obteve como resposta qualquer ratificação sobre a mesma. Pelo contrário, recebeu a resposta divina provando que nem todo caso de doença Deus tem a obrigação de restaurar a saúde de Seus servos. Disse o Senhor: “A minha graça te basta”. O que ao final, Paulo pôde dizer “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (v. 10).
2.3 – Confissão Positiva
É o terceiro pressuposto da TP. Neste, Hagin ensina a sua “fórmula da fé” a qual assevera ter aprendido diretamente com Jesus. Segundo Maurício Mendonça (2011), o Senhor teria lhe aparecido e mandado escrever de 1 a 4:
1) “Diga a coisa” positiva ou negativamente, tudo depende do indivíduo. De acordo com o que este quiser, receberá. Ex: eu tomo posse; eu não vou ser demitido.
2) “Faça a coisa”. “Seus atos derrotam-no ou lhe dão vitória. De acordo com sua ação, você será impedido ou receberá”. Ex. é com base nessa assertiva haginiana que os mestres da TP induzem o crente a “sacrificar” bens ou dinheiro em campanhas e fogueiras santas.
3) “Receba a coisa”. Compete ao fiel a conexão com o dínamo do céu. A fé é o pino da tomada. Basta conectá-lo. Ex. essa atitude mental de receber já faz parte do vocabulário até de pregadores de vertentes pentecostais clássicas que a incorporaram aos seus espalhafatosos sermões. No corpo prático da TP, entretanto, quando o crente não vê o resultado de seu “sacrifício”, a culpa é só dele, pois não exerceu fé suficiente.
4) “Conte a coisa” a fim de que outros também possam crer. Ex: isso explica por que nas igrejas da TP o testemunho é tão enfatizado. Hoje, a conotação do testemunho é nada mais do que uma inteligente forma de publicidade empresarial. Ex: “antes de conhecer a Universal (e não Jesus) a minha vida era amarrada, meu casamento estava destruído, meu marido era alcoólatra e tinha outras mulheres, não tínhamos o que comer, eu estava desempregada. Depois que começamos a participar das reuniões a nossa vida mudou completamente. Nosso casamento foi restaurado, meu marido foi liberto, hoje nos entendemos muito bem, temos duas casas, três carros, montamos uma empresa, a nossa vida financeira é próspera”. Aí o pastor ou bispo pergunta capciosamente: “e tudo isso vocês conseguiram aonde?”. “Na Igreja Universal”, responde o casal.
2.4 – Algumas características importantes das igrejas da TP
Como visto, a TP veio encontrar guarida no Brasil entre os neopentecostais. Não é preciso ser doutor em teologia para perceber que as denominações surgidas a partir do final da década de 1970 têm características bem peculiares no que concerne às suas práticas. Não seria exagero então dizer que o neopentecostalismo pouco ou nada herdou da tradição pentecostal clássica e até dos pentecostais da segunda geração. Líderes dos mais influentes dessa corrente triunfalista, como Edir Macedo, reforçam isso com orgulho e até certo ponto, desprezo, ao referir-se, por exemplo, aos usos e costumes assembleianos (já tão combalidos em muitas partes do Brasil) como promovidos por um demônio denominado por ele de “Exu Tradição”!. Vejamos abaixo algumas dessas diferenças implementadas em suas igrejas:
· Liberalismo quanto a usos e costumes: a tradicional modéstia nas vestimentas e o recato quanto ao uso pelas mulheres de maquiagens e adornos não é exigido nos círculos neopentecostais. Aos homens não é sugerido nenhuma austeridade de trajes sociais, pois segundo a lógica neopentecostal “o importante é o coração”.
· Automarketing eclesiástico: a grande maioria da liderança neopentecostal não é nada discreta quanto aos rótulos e a postura eclesiástica. O que sempre o pentecostalismo clássico e o protestantismo em geral procuraram evitar – para diferenciar-se do hierarcalismo católico –, Edir Macedo, por exemplo, usou desde o início ao se intitular “bispo” até para possivelmente rivalizar ou provocar o clero romano. Veja também o título de sua igreja: IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (o termo "católica" no grego significa "universal"). O pior, porém, estava por vir quando líderes-fundadores como Estevam Hernandes, Jorge Tadeu, Valdemiro Santiago e Agenor Duque usariam como marketing o título de “apóstolo”.
· Administração eclesiástica centralizada e empresarial: todas ou quase todas as denominações neopentecostais não tiveram uma origem missionária. Seus fundadores em geral não foram desbravadores, eles semearam aonde já havia fartas plantações. Estes indivíduos pertenciam geralmente há alguma denominação tradicional da qual se desligaram por discordâncias administrativas ou doutrinárias, irrompendo-se contra a liderança. Como queriam posição de destaque no ministério do qual faziam parte acabaram por fundar suas próprias denominações. Estas se caracterizam pela administração centralizada em seu líder-fundador (administração personalista). Tudo o que se determina na sede é repassado e seguido a todos os templos, de qualquer área ou lugar. A lógica administrativa da IURD, por exemplo, é nitidamente empresarial.
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Kenneth Hagin Fonte: Wikipedia |
Macedo e a IURD atravessaram os anos 1980 quase despercebidos da maioria dos brasileiros. Foi quando em 1989 o “bispo” adquiriu uma quase falida TV Record e o jogo começou a virar a seu favor. Segundo ainda o depoimento de Carlos Magno de Miranda, o negócio com os Machado de Carvalho e o grupo Silvio Santos – que detinham as ações da TV – foi fechado a troco de conluio, esperteza e é claro, o suado dinheiro dos fiéis (até do narcotráfico segundo o ex-bispo). Já nos primeiros anos da década de 1990, a diferença era sensível: a IURD havia se expandido em todo o Brasil e Edir Macedo não era somente mais um líder “evangélico” no país, era a sensação do momento e o religioso mais midiático da TV brasileira. Logo, sociólogos, jornalistas, artistas e autoridades em geral estavam de olho no eclesiástico. Aquelas reuniões da IURD nas quais o diabo era protagonista, Jesus era coadjuvante e as salvas se enchiam de notas de cruzados novos, jamais foram vistas em qualquer época do Evangelho no Brasil. Os cinemas viravam templos, os estádios já não lotavam apenas nos dias de grandes clássicos, finais de campeonato ou concertos de mega-stars.
Os programas da IURD, combatendo, sobretudo o espiritismo kardecista e os cultos afrobrasileiros, ganharam a antipatia de muitos, principalmente de juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Como se sabe, o Brasil é um país religiosamente sincretista no qual a maioria “católica” também adere a práticas espíritas, umbandistas e do candomblé. Talvez movidos até mais por suas simpatias e inclinações religiosas, essas autoridades resolveram criar o seu tribunal do santo ofício. Ainda que não tenhamos provas, poder-se-ia somar a isso o fato de que Roberto Marinho, o dono da Rede Globo, era declaradamente espírita. Em 1992 ocorreu a prisão de Edir Macedo por 11 dias, acusado de charlatanismo, estelionato e curandeirismo.
A prisão de Edir teve uma espécie de efeito colateral, pois só aumentou a sua popularidade, o crescimento de sua igreja e a expansão da Teologia da Prosperidade. Três anos mais tarde aconteceu o incidente com a imagem de Aparecida. Talvez nunca um episódio de cunho religioso tenha causado tanto quiproquó nem uma entidade religiosa sofresse tamanha retaliação. Mas nem mesmo a guerra religiosa promovida, sobretudo pela Rede Globo impediu a IURD de se transformar num império religioso. Desse ponto é que gostaríamos de abordar mais especificamente a TP. Por que mesmo com tantos episódios de conotação negativa ela se tornou cada vez mais popular no Brasil? Vale para ela aquele precedente do conselho de Gamaliel quanto à igreja primitiva? (At 5.34-39). O fato da perseguição à IURD não ter detido o crescimento da igreja prova que ela é inteiramente obra de Deus? É aqui que cabe uma análise mais acurada dos postulados e práticas da TP.
II- OS POSTULADOS DA TP:
2.1 – Autoridade espiritual:
Um crente suficientemente maduro não deixará de perceber o pretenso ar de superioridade espiritual dos pregadores da TP. O simples fato de seu convite proselitista incluir evangélicos de outras denominações já denota isso. Antes de seu advento na mídia, ninguém ousou imaginar crentes convidando crentes para deixarem suas igrejas e irem às reuniões de uma igreja também evangélica. Isso era bastante comum dos crentes em relação aos católicos e a todos os não evangélicos. Kenneth Hagin dizia que Deus havia dado autoridade (unção) a profetas nos dias atuais como seus porta-vozes. Dizia ele que recebia revelações diretamente do Senhor e que a sua unção de profeta era a mesma unção dos profetas bíblicos multiplicada cem vezes. Pregadores como Edir Macedo, R.R. Soares e Agenor Duque tomaram isso literalmente para si. Isso se reflete também em outra característica desses homens: o automarketing. Dos citados acima, somente R.R. Soares acomodou-se a um título menos pretensioso: o de missionário. Mas cabe ainda aquela velha pergunta: quem o enviou, já que ele rompeu com seu cunhado Macedo e fundou sua própria igreja?
Edir Macedo foi mais além ao tomar para si o título de “bispo”. Seus concorrentes mais recentes como Valdemiro Santiago e o próprio Agenor Duque tomaram logo o título de “apóstolo”. O termo é mais grandiloquente e reveste-se de um eco mais retumbante num mercado de grandes rivais. Quem os teria investido ao apostolado? Muito provavelmente responderiam eles: o próprio Deus! É bom que se esclareça que na Bíblia não existe o ofício de apóstolo. Alguns até tentam distorcer o texto de Ef 4.11 para insinuar que “apóstolo” é um cargo. Porém ali Paulo está apenas descrevendo os dons ministeriais dados por Cristo à Sua Igreja. A função de apóstolo até pode existir, pois o termo no grego quer dizer “alguém enviado em missão de caráter extraordinário”. O apóstolo é um desbravador, um missionário. Valdemiro, Agenor, Estevam Hernandez, Jorge Tadeu não são legitimamente “apóstolos”, primeiro porque não existe o ofício, segundo porque eles não são desbravadores, então não devem dar-se o título nem em termos funcionais. Eles iniciaram suas igrejas onde já havia dezenas de outras; semearam em terreno alheio. Não foram eles iniciar suas denominações numa comunidade isolada na Amazônia, nas savanas africanas ou entre os aborígines na Oceania. A Bíblia alerta mais de uma vez quanto aos riscos espirituais que esses autointitulados “apóstolos” podem trazer aos crentes: com Paulo (2 Co 11.13) e com Jesus (Ap 2.2). Como disse o pastor Silas Malafaia: daqui um tempo vai aparecer um intitulando-se “vice-Deus”.
2.2 – Bênçãos e maldições
Um dos pressupostos que mais causou burburinhos e discussões teológicas no meio evangélico foi a questão de bênçãos e maldições na vida do crente. Como a TP é uma espécie de evangelho triunfalista, afirma-se que o cristão tem direito de reivindicar as bênçãos de Deus na sua vida. À revelia de seu contexto teológico e exegético, Hagin dizia com base em Gl 3.13,14 que fomos libertos da maldição da lei. Tomando emprestadas a lista de bênçãos e possíveis maldições de Dt 28.1-68, ele afirmava que o cristão tem direito à saúde e riqueza. Cristo teria nos resgatado da maldição da lei, que como disse, incluiria: 1) Pobreza; 2) Doença e 3) Morte espiritual. Na TP as palavras de Jesus em Mt 6.33 são pontualmente ignoradas. Não nos deve surpreender então quando vemos as igrejas da prosperidade enfatizando muito mais as bênçãos materiais do que a morada no céu.
Gl 3.13,14 em seu contexto teológico está afirmando algo completamente diferente do que defendia Hagin. Ali, Paulo está discorrendo sobre a impotência da lei para nos salvar. A teologia paulina nos ensina que a lei nos conduziu à fé em Cristo como único meio de encontrarmos justificação em Deus (vs. 23,24). O âmago da teologia paulina em Gálatas é puramente espiritual, até por que ele estava refutando toda a teologia judaizante a qual sofismava que para se alcançar a salvação, necessário se fazia não só a fé em Cristo, mas a observância ao cerimonialismo da Lei. A “maldição” de que fala o v. 13 então seria apenas o resultado do aspecto condenatório da Lei. Devido à impossibilidade de a observarmos na íntegra, ela acabaria resultando em condenação e disso Cristo nos resgatou. O fato de citar a “benção de Abraão” no v.14 parece motivar os pregadores da prosperidade a inculcar a seus ouvintes que as bênçãos materiais são uma obrigação do Evangelho. Porém, como vimos de acordo com o contexto, isso só pode ser sugerido forçosamente. Se Paulo realmente compartilhasse a ideia de que o cristão tem de ser necessariamente rico como foi Abraão, jamais diria o que disse em Fp 4.12.
Outro texto preferido de Hagin é Is 53.4,5. Neste texto, a ênfase predileta (e de muitos crentes desprevenidos também) é a parte que afirma que Cristo levou sobre si as nossas enfermidades e que pelas suas pisaduras nós fomos sarados. Não se pode ignorar que Mateus, um dos apóstolos, relacionou a cura da sogra de Pedro, bem como a cura e a libertação de outros, à passagem descrita pelo profeta Isaías (Mt 8.14-17) acima. O problema não está em reconhecer que a cura física também faz parte da redenção em Cristo. O problema é propagandear em linhas absolutas que o cristão não pode de forma alguma admitir qualquer doença em sua vida: e o pior, relacioná-la indistintamente a uma ação diabólica. Esse é o erro de Hagin transmitido a todos seus discípulos da TP. A Bíblia prova por si só que isso é uma perigosa generalização.
Já nas admoestações finais em sua primeira carta a Timóteo (1 Tm 5.23), Paulo diz ao jovem pastor da igreja efésia: “Não bebas mais água, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago, e das tuas constantes enfermidades”. Fosse o pressuposto da TP referendado pelo “doutor dos gentios”, ele, no mínimo, invocaria a passagem de Is 53.4,5 para exortar Timóteo a não aceitar tal enfermidade gastroenterológica. O próprio apóstolo foi acometido de um misterioso “espinho na carne” (2 Co 12.7-10) e ao orar ao Senhor não invocou qualquer promessa de cura nem obteve como resposta qualquer ratificação sobre a mesma. Pelo contrário, recebeu a resposta divina provando que nem todo caso de doença Deus tem a obrigação de restaurar a saúde de Seus servos. Disse o Senhor: “A minha graça te basta”. O que ao final, Paulo pôde dizer “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (v. 10).
2.3 – Confissão Positiva
É o terceiro pressuposto da TP. Neste, Hagin ensina a sua “fórmula da fé” a qual assevera ter aprendido diretamente com Jesus. Segundo Maurício Mendonça (2011), o Senhor teria lhe aparecido e mandado escrever de 1 a 4:
1) “Diga a coisa” positiva ou negativamente, tudo depende do indivíduo. De acordo com o que este quiser, receberá. Ex: eu tomo posse; eu não vou ser demitido.
2) “Faça a coisa”. “Seus atos derrotam-no ou lhe dão vitória. De acordo com sua ação, você será impedido ou receberá”. Ex. é com base nessa assertiva haginiana que os mestres da TP induzem o crente a “sacrificar” bens ou dinheiro em campanhas e fogueiras santas.
3) “Receba a coisa”. Compete ao fiel a conexão com o dínamo do céu. A fé é o pino da tomada. Basta conectá-lo. Ex. essa atitude mental de receber já faz parte do vocabulário até de pregadores de vertentes pentecostais clássicas que a incorporaram aos seus espalhafatosos sermões. No corpo prático da TP, entretanto, quando o crente não vê o resultado de seu “sacrifício”, a culpa é só dele, pois não exerceu fé suficiente.
4) “Conte a coisa” a fim de que outros também possam crer. Ex: isso explica por que nas igrejas da TP o testemunho é tão enfatizado. Hoje, a conotação do testemunho é nada mais do que uma inteligente forma de publicidade empresarial. Ex: “antes de conhecer a Universal (e não Jesus) a minha vida era amarrada, meu casamento estava destruído, meu marido era alcoólatra e tinha outras mulheres, não tínhamos o que comer, eu estava desempregada. Depois que começamos a participar das reuniões a nossa vida mudou completamente. Nosso casamento foi restaurado, meu marido foi liberto, hoje nos entendemos muito bem, temos duas casas, três carros, montamos uma empresa, a nossa vida financeira é próspera”. Aí o pastor ou bispo pergunta capciosamente: “e tudo isso vocês conseguiram aonde?”. “Na Igreja Universal”, responde o casal.
2.4 – Algumas características importantes das igrejas da TP
Como visto, a TP veio encontrar guarida no Brasil entre os neopentecostais. Não é preciso ser doutor em teologia para perceber que as denominações surgidas a partir do final da década de 1970 têm características bem peculiares no que concerne às suas práticas. Não seria exagero então dizer que o neopentecostalismo pouco ou nada herdou da tradição pentecostal clássica e até dos pentecostais da segunda geração. Líderes dos mais influentes dessa corrente triunfalista, como Edir Macedo, reforçam isso com orgulho e até certo ponto, desprezo, ao referir-se, por exemplo, aos usos e costumes assembleianos (já tão combalidos em muitas partes do Brasil) como promovidos por um demônio denominado por ele de “Exu Tradição”!. Vejamos abaixo algumas dessas diferenças implementadas em suas igrejas:
· Liberalismo quanto a usos e costumes: a tradicional modéstia nas vestimentas e o recato quanto ao uso pelas mulheres de maquiagens e adornos não é exigido nos círculos neopentecostais. Aos homens não é sugerido nenhuma austeridade de trajes sociais, pois segundo a lógica neopentecostal “o importante é o coração”.
· Automarketing eclesiástico: a grande maioria da liderança neopentecostal não é nada discreta quanto aos rótulos e a postura eclesiástica. O que sempre o pentecostalismo clássico e o protestantismo em geral procuraram evitar – para diferenciar-se do hierarcalismo católico –, Edir Macedo, por exemplo, usou desde o início ao se intitular “bispo” até para possivelmente rivalizar ou provocar o clero romano. Veja também o título de sua igreja: IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (o termo "católica" no grego significa "universal"). O pior, porém, estava por vir quando líderes-fundadores como Estevam Hernandes, Jorge Tadeu, Valdemiro Santiago e Agenor Duque usariam como marketing o título de “apóstolo”.
· Administração eclesiástica centralizada e empresarial: todas ou quase todas as denominações neopentecostais não tiveram uma origem missionária. Seus fundadores em geral não foram desbravadores, eles semearam aonde já havia fartas plantações. Estes indivíduos pertenciam geralmente há alguma denominação tradicional da qual se desligaram por discordâncias administrativas ou doutrinárias, irrompendo-se contra a liderança. Como queriam posição de destaque no ministério do qual faziam parte acabaram por fundar suas próprias denominações. Estas se caracterizam pela administração centralizada em seu líder-fundador (administração personalista). Tudo o que se determina na sede é repassado e seguido a todos os templos, de qualquer área ou lugar. A lógica administrativa da IURD, por exemplo, é nitidamente empresarial.
Suas reuniões são organizadas de acordo com o perfil dos fiéis, ou melhor, clientela, da forma a seguir:
· Segunda-feira: Corrente da Nação dos Vencedores – Texto-base: Dt 28.8
· Terça-feira: Desmanche Espiritual (ou Sessão do Descarrego) – Texto-base: Tg 3.16
· Quarta-feira: Reunião da Noite da Salvação – Texto-base: Sl 104.5
· Quinta-feira: Corrente da Sagrada Família – Texto-base: At 16.31
· Sexta-feira: Corrente da Libertação Total – Texto-base: Jo 8.36
· Sábado: Reunião de Jejum dos Impossíveis – Texto-base: Tg 5.4
· Domingo: Concentração de Fé e Milagres – Texto-base: Mt 21.22,23
Um detalhe importante e que diferencia sensivelmente as igrejas da TP das demais denominações evangélicas e protestantes, é que essas reuniões ocorrem em três ou cinco períodos diferentes do dia – no caso da mais recente vedete da liturgia universalina, o Congresso Para o Sucesso, ocorre em seis diferentes horários no Templo de Salomão, às segundas-feiras. Portanto, as igrejas neopentecostais estão abertas todo dia e o dia todo. Existe ainda na IURD uma reunião específica para tratamento da vida sentimental de casais e solteiros que não encontraram o seu par, a famosa “Terapia do Amor”, que ao princípio ocorria em todos os templos aos sábados à noite. Essa reunião passou agora para as terças-feiras somente nas catedrais.
· Ampla utilização da mídia: enquanto seus antecessores veteropentecostais utilizaram rádio e TV, com muito custo, pagando caro por meia-hora de programa, apenas para complementar suas ações evangelísticas, os neopentecostais focalizaram seus esforços de crescimento rápido e a curto prazo pela ampla utilização desses dois mais importantes veículos de comunicação de massa. O conceito de “igreja eletrônica” foi imitado das experiências bem-sucedidas de televangelistas americanos como Benny Him e Kenneth Copeland. Assim, no neopentecostalismo, rádio e TV não são complementares, mas essenciais, pontualmente estratégicos no seu afã de conquistar adeptos. Tanto é verdade que Edir Macedo possui hoje um verdadeiro império de comunicação, o segundo maior do país, só atrás da Rede Globo. Seus ex-asseclas, Valdemiro Santiago e R.R. Soares, ainda não têm TV aberta, mas possuem canais por assinatura, Ideal TV e RIT, respectivamente. Mantêm, contudo, horários pagos na Rede TV e Band, pois a feroz concorrência requer estratégias variadas.
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O espalhafatoso e excêntrico Benny Himm Fonte: Notícias Gospel/Gospel Prime |
· Proselitismo: líderes como Edir Macedo insinuam que há crentes não libertos nas outras denominações e que estes podem ficar possessos de demônios. Dessa forma, não há nenhum constrangimento por parte de seus subalternos em procurar atrair os cristãos extrauniversalinos. O que pode parecer apenas uma forma de auxílio aos coirmãos evangélicos, pode ser na verdade, uma forma dissimulada de proselitismo interdenominacional. Esse é um modo atípico de se relacionar com irmãos teoricamente da mesma fé. Soa efusivamente como uma disputa entre empresas pelo mercado consumidor (da parte dos neopentecostais).
· O testemunho como forma de publicidade: o modelo de administração empresarial da TP não poderia sobreviver sem a publicidade, pois “a propaganda é a alma do negócio”. No evangelho da prosperidade, o testemunho dos fiéis é usado indiscriminadamente como propaganda. Nesses testemunhos, além da veracidade ou não dos relatos, há o agravante de que se exalta mais o nome da denominação ou da reunião específica e quase nunca o nome de Jesus.
· Megalomania: seguindo uma egolatria semelhante a dos ninrodianos (Gn 11.1-4), os profetas da prosperidade se acotovelam em fazerem-se notáveis na sociedade construindo megatemplos com o dinheiro arrecadado de dízimos, ofertas, campanhas e fogueiras santas. É uma forma não somente de notabilidade social, mas discerne-se mercadologicamente que para atrair e manter uma megaclientela precisa-se possuir megatemplos. Como a grandiosidade, o luxo e o requinte costumam impressionar, as igrejas da TP não poupam esforços para tal. A IURD, por exemplo, construiu o Templo de Salomão, em São Paulo, segundo o que declarou, no valor de R$ 685 milhões, construída numa área de 35.000², capacidade para 10 mil pessoas, o que é quatro vezes maior que o Templo de Aparecida.
Existem ainda outras peculiaridades da TP as quais vamos abordar dentro de outros tópicos mais aprofundados. Um deles trata da pedra de toque da TP, a prosperidade. Precisamos analisar essa questão mais particularmente para entendermos qual o papel, o que é, como e quando a prosperidade bíblica pode ou não fazer parte da vida do cristão. Há diferença entre a prosperidade descrita na Bíblia e a TP? Qual a relação da saúde financeira do crente com o dízimo? E este o que é? Como entendê-lo biblicamente sem interpretá-lo como um mero investimento? É o que vamos ver no próximo tópico.
III- A PROSPERIDADE NA VIDA DO SERVO DE DEUS
“Duas cousas te pedi: não mas negues, antes que morra: Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza nem a riqueza: mantém-me do pão da minha porção acostumada. Para que porventura de farto te não negue, e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecendo, não venha a furtar, e lance mão do nome de Deus” (Pv 30.7-9). 3.1 – Definição de Prosperidade
Em nenhuma passagem das Escrituras, tanto do NT e principalmente do AT, há qualquer desaprovação da riqueza como pecado na vida do crente ou do descrente. O que há ao longo de todo o Texto Sagrado é uma recomendação, um alerta quanto ao perigo que ela pode se tornar na vida do servo de Deus. O Senhor Jesus em Seu famoso Sermão do Monte, nos ensina de forma mais clarividente a respeito dessa periculosidade ao dizer “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Mt 6.24). Um pouco antes falando mais explicitamente de riquezas, o Mestre diz “Não ajunteis tesouro na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (vs. 19-21).
Concluímos então que a raiz do problema da riqueza é a disposição do coração humano em relação a ela. Um indivíduo materialista dificilmente conseguirá ter alguma percepção espiritual; será dominado por seu materialismo. O cristão pode perder a sua sensibilidade espiritual se se dedicar mais ao cuidado de seus bens do que a Deus. Manter um equilíbrio não é uma das tarefas mais fáceis, principalmente num mercado globalizado como o de hoje. A verdade é que nem todo crente está preparado para ser rico. Esse é um ponto essencial a ponderar. Outro é: o que é a prosperidade bíblica? É o que vamos tentar conceituar a seguir:
Prosperidade: estado de bem-aventurança social, familiar, emocional, psicológica e, por extensão, financeira e econômica. É amada e desejada por Deus para os que O servem (Sl 35.27); porém, nem sempre poderemos dela desfrutar (Ec 7.14 cf. Fp 4.11-13). Note que o aspecto financeiro pode ser apenas um dos aspectos da prosperidade. Por conseguinte:
- Nem toda riqueza é indicativo de prosperidade (Gn 13.5,10; 2 Sm 7.2; 13.14);
- Nem toda prosperidade tem indícios de riqueza (At 3.4-6).
Dízimo: “Oferta entregue voluntariamente à Obra de Deus, constituindo-se na décima parte da renda do adorador” (Dicionário Teológico, CPAD). O dízimo não pode ser entendido como um mero investimento nem possui caráter mercantilista. É acima de tudo, uma atitude de adoração e gratidão a Deus (Mq 3.10b). O “fazer prova de Deus” não implica em exigir dEle o retorno, mas confiar na certeza da Sua provisão para o celeiro do crente. A palavra “abastança” não sugere necessariamente “riqueza”, mas um farto abastecimento, pois os destinatários originais de Malaquias eram campesinos, sobreviviam do que os campos produziam (v. 11). Uma pessoa pode ter uma boa casa, ter carro, cercar-se de conforto como TV de plasma, quarto climatizado, canais de TV por assinatura, geladeira duplex, micro-ondas, fogão seis bocas, filhos estudando em colégio particular, etc., e não ser rica. O crente não é proibido de desejar e trabalhar por um bom padrão de vida. Aliás, é através do trabalho de suas mãos (Gn 3.19), que Deus há de abençoar a sua vida material quando dizima em amor e adoração. Agora vejamos a diferença para o que os pastores mercenários estão ensinando.
Teologia da Prosperidade: na verdade, a TP não é teologia, mas movimento e filosofia. Hank Hanegraff em sua obra Cristianismo em Crise diz que o grande problema da Teologia da Prosperidade, não é a prosperidade, mas sim a teologia. Não há nenhuma Teologia da Prosperidade na Bíblia. Por conseguinte, podemos definir a TP como: movimento paraevangélico, de caráter mercadológico e triunfalista, que invocando promessas e textos isolados das Escrituras, alardeia que a plenitude da vida cristã deve ser vivida já nesta terra. Na lógica materialista da TP, algumas ideias e práticas são fundamentais no sustentáculo de sua disseminação entre o povo. Vamos dissecá-las cada uma em particular.
3.2 – Pressupostos e práticas
3.2a- Os bens materiais como referência de uma fé eficiente:
Abrão foi o primeiro homem temente a Deus a acumular riquezas nas Escrituras. Diz a palavra de Deus sobre ele:
Subiu, pois, Abrão do Egito para o lado do sul, ele e sua mulher, e tudo o que tinha, e com ele Ló.
E era Abrão muito rico em gado, em prata e em ouro.
E fez as suas jornadas do sul até Betel, até ao lugar onde a princípio estivera a sua tenda, entre Betel e Ai
Gênesis 13:1-3
Subiu, pois, Abrão do Egito para o lado do sul, ele e sua mulher, e tudo o que tinha, e com ele Ló.
E era Abrão muito rico em gado, em prata e em ouro.
E fez as suas jornadas do sul até Betel, até ao lugar onde a princípio estivera a sua tenda, entre Betel e Ai
Gênesis 13:1-3
"Subiu, pois, Abrão do Egito para o lado do sul, ele e sua mulher, e tudo o que tinha, e com ele Ló. E era Abrão muito rico em gado, em prata e em ouro."
(Gn 13.1,2).
Se ousássemos dizer que Deus se opõe à prosperidade material de Seus servos estaríamos afirmando algo que as Escrituras em nenhum momento registra. Mais do que isso, estaríamos fazendo apologia ao extremo oposto da Teologia da Prosperidade: a Teologia da Pobreza. Abraão, seu filho Isaque (Gn 26.12-14), Jacó (Gn 30.43), Davi (2 Sm 8.11), Salomão (2 Rs 7; 10.10-12; 21-23), enfim, todos os grandes patriarcas e reis de Israel foram prósperos. Arbitrariamente e de forma descontextualizada e parcial, os ministros da TP promovem campanhas e mais campanhas forjando tais textos para incutir na mente de seus ouvintes que a riqueza acompanha obrigatoriamente a vida do servo de Deus. Devido à ignorância bíblica e o desejo de prosperar, sua plateia é facilmente seduzida a aceitar o pressuposto de que crente pobre "ou não reivindicou as promessas de prosperidade na Bíblia ("fé teórica", "morta") ou está com a 'vida amarrada' devido à ação de demônios". A "fé prática", "viva e eficaz" viria então da fidelidade nos dízimos, ofertas e nas participações em megas-campanhas como a "Fogueira Santa de Israel" (pra citar a mais famosa de todas criada pela IURD).
Porém, a mesma Bíblia que registra a prosperidade de homens de Deus, também registra a abastança de homens que nunca desejaram relacionar-se com Ele, como é o caso de Esaú (Gn 33.9). Seria então a riqueza material algo necessariamente obrigatório para quem é cristão? Jesus disse em Seu sermão do monte:
Bom, alguém já disse mui sabiamente que se a TP funcionasse de fato não haveria mais empregados entre os seus adeptos. Todos seriam patrões! Mas aí entra a evasiva de que se a pessoa não prosperou, a falha está na sua falta de fé. Ela não 'sacrificou' movida por uma atitude de fé. Neste ponto é imprescindível discorrermos outro aspecto fundamental para a TP, a fé.
3.2b- A fé nos círculos neopentecostais:
Certo pastor pentecostal, famoso no Brasil por seus programas na TV e por ser polemista nato aponta o ensino a respeito de fé como um dos pontos elogiáveis da IURD, por exemplo. Eu sinceramente não vejo desse jeito. A "fé" como dispositivo energizador das atitudes humanas é mais um elemento motivacional que alguém possui ou adquire. A fé natural inata que alguém pode ter no sentido de pré-disposição e entusiasmo para agir não pode ser confundida com a fé bíblica. A fé como força motivacional interior é cega. É um fim em si mesma. É a "fé na fé". Não resta dúvida que esta é benéfica para a pessoa que a possui e admirável para quem a contempla; porém ela não conduz a Deus. A fé descrita na Bíblia (Hb 11.1,6) aponta sempre para as verdades nela descritas e está sempre relacionada a coisas como o arrependimento, a conversão e o temor a Deus. Nas igrejas da prosperidade percebe-se muito mais uma palestra motivacional (psicologia popular) que usa a Deus como pretexto. Paulo escrevendo aos filipenses denuncia duramente as intenções de certo grupo de pseudos-cristãos infiltrado na igreja, dizendo:
IV- A RELAÇÃO SIMBOLOGIA, MERCANTILISMO, TEXTOS-MOTIVADORES E LITURGIA
"E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com FALSOS DISCURSOS" (Tg 1.22, ACF, Ênfase Acrescentada).
4.1 - A simbologia
4.1a- A simbologia bíblica:
A Antiga Aliança foi instrumentalizada entre os israelitas por uma liturgia repleta de simbolismos, tipos, sombras e figuras que apontavam para o Messias vindouro (Hb 9.1-14). Deus as usou para fixar na mente dos hebreus e judeus as verdades espirituais que envolviam a Pessoa e a Obra de Cristo. Deus utilizou um recurso visual para ensinar ao Seu povo do AT. Uma vez Cristo cumprido toda a simbologia da Lei (Cl 2.16,17) ela já não faz o menor sentido na dispensação da Igreja.
O simbologismo na Nova Aliança encontra duas exceções somente nos símbolos da Santa Ceia (1 Co 11.23-26).
4.1b- A simbologia nas igrejas da prosperidade:
Com o pretexto de "incentivar a fé das pessoas" os mestres da TP usam e abusam do simbolismo na liturgia de suas igrejas. Chegaram mesmo ao nível de banalizar a tipologia bíblica. A arca da aliança, o cajado de Moisés, o Menorah (ou castiçal) sagrado, os pães da proposição, a funda de Davi, o tanque de Betesda, a porta estreita, enfim. O intuito é apropriar-se da simbologia bíblica para dar ao fiel a certeza de que ele está envolvido em algo que possui fundamento nas Escrituras, o que na verdade é uma isca inteligentemente manipulada para seduzir os incautos. A IURD, através de seu fundador e dono Edir Macedo, adotou com a inauguração do Templo de Salomão, em 2014, toda a liturgia do culto judaico. Pastores e obreiros se vestem a caráter usando quipá, barba de rabino e xale de orações
4.1c- A consagração de objetos:
Pondo em prática os ensinamentos de Hagin de que Deus tem dado autoridade (unção) a profetas nos dias atuais como seus porta-vozes, os promotores do evangelho da prosperidade consagram indiscriminadamente objetos para o uso dos fiéis como uma espécie de extensão da suposta autoridade que há sobre eles. Chega a ser risível, mas os falsos mestres da TP já chegaram ao extremo de ungir e consagrar vassouras para varrer o mal da casa seus fiéis, sabão em pó, cruzes, rosas, saquinhos de geladinho (sacolé para os cariocas, "chope" para os paraenses), canetas, lenços, toalhinhas, pés de meia, cordão, anel, aliança, sal, farinha, azeite, óleo, arruda e tudo o mais que ainda possam imaginar.
Concordo plenamente com a análise do pastor Augusto Nicodemus Lopes quando diz que na Bíblia, o cajado (vara) de Moisés (Êx 7.12,15,17,19); a vara de Arão que floresceu (Nm 17.8); a capa de Elias (2 Rs 2.2,8,14); o sal usado por Eliseu para tornar a água potável (2 Rs 2.20-22); a farinha usada para tirar o veneno da comida (2 Rs 4.38-41); o pedaço de madeira usado para flutuar o ferro de um machado (2 Rs 6.1-7); os ossos de Eliseu que ressuscitaram um morto (2 Rs 13.20,21) a pasta de figos usada por Isaías (2 Rs 20.7; Is 38.21); a saliva de Jesus feita lodo (Jo 9.5,6); a sombra de Pedro (At 5.15,16) e os lenços e aventais de Paulo (At 19.12,13) foram situações extraordinárias que confirmaram a unção e a autoridade de Deus sobre a vida desses homens. Os objetos e métodos usados não eram um fim em si mesmos. Eles ocorreram em situações históricas decisivas como a saída de Israel do Egito (caso de Moisés); a jornada pelo deserto rumo a Canaã (caso de Arão); de grave crise moral, social e espiritual (caso de Elias e Eliseu); o domínio sobre a natureza (caso de Jesus) e o estabelecimento da Igreja pela autoridade dos apóstolos (caso de Pedro e Paulo).
Embora os falsos mestres da TP tentem se inspirar e copiar os métodos ali utilizados pelos autênticos servos de Deus, seus pseudo-milagres nem de muito longe podem ser comparados aos acontecimentos bíblicos. Pra encerrar esse assunto, na Bíblia, como alguém já observou sabiamente: não existe 'óleo ungido' e sim 'unção com óleo' (Tg 5.14,15).
4.2 - O uso descontextualizado de passagens bíblicas
4.2a- Para fundamentar campanhas e atitudes nada convencionais:
As intermináveis campanhas são fundamentais para as igrejas da prosperidade. Sem elas, fato é que não haveria como essas denominações se manterem tão populares. Isso tem levado seus líderes a procurarem nas Escrituras alguma passagem que lhes sirva de base para lançá-las ao público. Em geral também são textos do AT tomados à revelia de seu contexto. Vou separar duas aqui que eu considero entre as mais absurdas:
4.3 - A batalha espiritual contra Satanás e seus demônios
4.3a- A realidade da batalha:
O cristão tem no diabo e seus demônios seus verdadeiros inimigos (Ef 6.10,11). Isso é fato bíblico que não pode ser negado. Contudo, essa batalha espiritual ocorre independente do crente procurar travá-la ou não. O diabo não precisa ser desafiado para entrar em confronto conosco. As igrejas da TP têm uma obsessão por batalha espiritual. Seus pastores expõem as pessoas supostamente possessas ao extremo do ridículo ao ordenar aos demônios que se manifestem e depois chegam ao cúmulo de "entrevistá-los" para expor a plateia qual deles se trata. Edir Macedo insinua ser especialista em demonologia sincretista ao ter escrito o seu já referido Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?. Nas Escrituras, especialmente no NT, não vemos os apóstolos incitando as igrejas primitivas a fazerem da batalha espiritual o seu mote na vida cristã. O que encontramos é a recomendação, por exemplo, do apóstolo Tiago que nos preocupemos em nos sujeitar a Deus, que assim resistiremos ao diabo e ele fugirá de nós (Tg 4.7). Já Pedro recomenda-nos a sobriedade e a vigilância pela qual conseguiremos anular as ações de Satanás contra a nossa vida (1 Pe 5.8). Essa questão de sobriedade e vigilância nos leva a concluir que a nossa conduta é diretamente responsável pela eficácia ou não das investidas do adversário contra as nossas vidas. Nos círculos neopentecostais, porém, o diabo é o único responsável pelas agruras do cristão, por isso, precisa ser combatido. Como diz Maurício Mendonça:
4.3b- Os milagres e o Evangelho:
Os milagres não são um fim em si mesmos. Os pregadores da prosperidade, porém, têm feito deles o eixo central de sua mensagem. E o pior: predomina em seus cultos a banalização e o sensacionalismo pelas supostas curas milagrosas. Neste quesito destaca-se a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD),de Valdemiro Santiago. Prega-se mais os milagres do que a Jesus. É o milagre pelo milagre! Arrependimento, conversão e regeneração são assuntos relegados a segundo plano. Precisamos atentar que:
Nem todo milagre é sinônimo de aprovação divina, pois alguns charlatões tentarão argumentar com Jesus na Sua volta e ouvirão dEle:
Porém, a mesma Bíblia que registra a prosperidade de homens de Deus, também registra a abastança de homens que nunca desejaram relacionar-se com Ele, como é o caso de Esaú (Gn 33.9). Seria então a riqueza material algo necessariamente obrigatório para quem é cristão? Jesus disse em Seu sermão do monte:
"Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e INJUSTOS" (Mt 5.45, ACF, Ênfase Acrescentada).Deduzimos logicamente então que a prosperidade material não é um privilégio exclusivo do cristão. Os exemplos na nossa sociedade estão aí patentes quando a grande maioria dos homens de negócio, megaempresários e afortunados não são homens tementes a Deus. Desde a entrada do pecado no mundo, o único meio lícito para o homem sobreviver é o trabalho (Gn 3.19). Deus faz a Sua parte fazendo com que os dispositivos básicos (sol e chuva representando nesse caso acima o trabalho agrário) alcancem a todos indistintamente. Agora, o fato de Abraão ser o pai de todos os crentes indicaria que todos os seus filhos espirituais têm de ser necessariamente patrões e empresários bem sucedidos?
Bom, alguém já disse mui sabiamente que se a TP funcionasse de fato não haveria mais empregados entre os seus adeptos. Todos seriam patrões! Mas aí entra a evasiva de que se a pessoa não prosperou, a falha está na sua falta de fé. Ela não 'sacrificou' movida por uma atitude de fé. Neste ponto é imprescindível discorrermos outro aspecto fundamental para a TP, a fé.
3.2b- A fé nos círculos neopentecostais:
Certo pastor pentecostal, famoso no Brasil por seus programas na TV e por ser polemista nato aponta o ensino a respeito de fé como um dos pontos elogiáveis da IURD, por exemplo. Eu sinceramente não vejo desse jeito. A "fé" como dispositivo energizador das atitudes humanas é mais um elemento motivacional que alguém possui ou adquire. A fé natural inata que alguém pode ter no sentido de pré-disposição e entusiasmo para agir não pode ser confundida com a fé bíblica. A fé como força motivacional interior é cega. É um fim em si mesma. É a "fé na fé". Não resta dúvida que esta é benéfica para a pessoa que a possui e admirável para quem a contempla; porém ela não conduz a Deus. A fé descrita na Bíblia (Hb 11.1,6) aponta sempre para as verdades nela descritas e está sempre relacionada a coisas como o arrependimento, a conversão e o temor a Deus. Nas igrejas da prosperidade percebe-se muito mais uma palestra motivacional (psicologia popular) que usa a Deus como pretexto. Paulo escrevendo aos filipenses denuncia duramente as intenções de certo grupo de pseudos-cristãos infiltrado na igreja, dizendo:
"Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para a confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas" (Fp 3.18,19).Eu mesmo fui a algumas dessas reuniões para comprovar minhas teses e fiquei impressionado com o poder de persuasão desses ditos pastores. Eles levam ao povo um discurso pronto, convincente, entusiasta, oportuno. Fiquei imaginando ali que se não conhecesse a Palavra de Deus eu também seria convencido. O povo vai até àquelas reuniões carregado de problemas diversos, principalmente financeiros. E quem é que não quer ouvir aquelas palavras de motivação? Junta-se à fome com a vontade de comer... Quem é no Brasil que não sonha ser patrão, sair do aluguel, ter carro próprio, casa de praia, poder econômico para viajar, realizar-se sentimentalmente?
IV- A RELAÇÃO SIMBOLOGIA, MERCANTILISMO, TEXTOS-MOTIVADORES E LITURGIA
"E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com FALSOS DISCURSOS" (Tg 1.22, ACF, Ênfase Acrescentada).
4.1 - A simbologia
4.1a- A simbologia bíblica:
A Antiga Aliança foi instrumentalizada entre os israelitas por uma liturgia repleta de simbolismos, tipos, sombras e figuras que apontavam para o Messias vindouro (Hb 9.1-14). Deus as usou para fixar na mente dos hebreus e judeus as verdades espirituais que envolviam a Pessoa e a Obra de Cristo. Deus utilizou um recurso visual para ensinar ao Seu povo do AT. Uma vez Cristo cumprido toda a simbologia da Lei (Cl 2.16,17) ela já não faz o menor sentido na dispensação da Igreja.
O simbologismo na Nova Aliança encontra duas exceções somente nos símbolos da Santa Ceia (1 Co 11.23-26).
4.1b- A simbologia nas igrejas da prosperidade:
Com o pretexto de "incentivar a fé das pessoas" os mestres da TP usam e abusam do simbolismo na liturgia de suas igrejas. Chegaram mesmo ao nível de banalizar a tipologia bíblica. A arca da aliança, o cajado de Moisés, o Menorah (ou castiçal) sagrado, os pães da proposição, a funda de Davi, o tanque de Betesda, a porta estreita, enfim. O intuito é apropriar-se da simbologia bíblica para dar ao fiel a certeza de que ele está envolvido em algo que possui fundamento nas Escrituras, o que na verdade é uma isca inteligentemente manipulada para seduzir os incautos. A IURD, através de seu fundador e dono Edir Macedo, adotou com a inauguração do Templo de Salomão, em 2014, toda a liturgia do culto judaico. Pastores e obreiros se vestem a caráter usando quipá, barba de rabino e xale de orações
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Vestido a caráter: Edir Macedo e suas estratégias Fonte: Último Segundo (IG) |
4.1c- A consagração de objetos:
Pondo em prática os ensinamentos de Hagin de que Deus tem dado autoridade (unção) a profetas nos dias atuais como seus porta-vozes, os promotores do evangelho da prosperidade consagram indiscriminadamente objetos para o uso dos fiéis como uma espécie de extensão da suposta autoridade que há sobre eles. Chega a ser risível, mas os falsos mestres da TP já chegaram ao extremo de ungir e consagrar vassouras para varrer o mal da casa seus fiéis, sabão em pó, cruzes, rosas, saquinhos de geladinho (sacolé para os cariocas, "chope" para os paraenses), canetas, lenços, toalhinhas, pés de meia, cordão, anel, aliança, sal, farinha, azeite, óleo, arruda e tudo o mais que ainda possam imaginar.
Concordo plenamente com a análise do pastor Augusto Nicodemus Lopes quando diz que na Bíblia, o cajado (vara) de Moisés (Êx 7.12,15,17,19); a vara de Arão que floresceu (Nm 17.8); a capa de Elias (2 Rs 2.2,8,14); o sal usado por Eliseu para tornar a água potável (2 Rs 2.20-22); a farinha usada para tirar o veneno da comida (2 Rs 4.38-41); o pedaço de madeira usado para flutuar o ferro de um machado (2 Rs 6.1-7); os ossos de Eliseu que ressuscitaram um morto (2 Rs 13.20,21) a pasta de figos usada por Isaías (2 Rs 20.7; Is 38.21); a saliva de Jesus feita lodo (Jo 9.5,6); a sombra de Pedro (At 5.15,16) e os lenços e aventais de Paulo (At 19.12,13) foram situações extraordinárias que confirmaram a unção e a autoridade de Deus sobre a vida desses homens. Os objetos e métodos usados não eram um fim em si mesmos. Eles ocorreram em situações históricas decisivas como a saída de Israel do Egito (caso de Moisés); a jornada pelo deserto rumo a Canaã (caso de Arão); de grave crise moral, social e espiritual (caso de Elias e Eliseu); o domínio sobre a natureza (caso de Jesus) e o estabelecimento da Igreja pela autoridade dos apóstolos (caso de Pedro e Paulo).
Embora os falsos mestres da TP tentem se inspirar e copiar os métodos ali utilizados pelos autênticos servos de Deus, seus pseudo-milagres nem de muito longe podem ser comparados aos acontecimentos bíblicos. Pra encerrar esse assunto, na Bíblia, como alguém já observou sabiamente: não existe 'óleo ungido' e sim 'unção com óleo' (Tg 5.14,15).
4.2 - O uso descontextualizado de passagens bíblicas
4.2a- Para fundamentar campanhas e atitudes nada convencionais:
As intermináveis campanhas são fundamentais para as igrejas da prosperidade. Sem elas, fato é que não haveria como essas denominações se manterem tão populares. Isso tem levado seus líderes a procurarem nas Escrituras alguma passagem que lhes sirva de base para lançá-las ao público. Em geral também são textos do AT tomados à revelia de seu contexto. Vou separar duas aqui que eu considero entre as mais absurdas:
"Depois disse Labão a Jacó: Porque tu és meu irmão, hás de servir-me de graça? Declara-me QUAL SERÁ O TEU SALÁRIO" (Gn 29.15, ACF, Ênfase Acrescentada).Essa passagem narra o episódio da estadia de Jacó em casa de seu tio Labão. Ao tomar ciência de que Jacó é seu sobrinho, Labão mostra-se inicialmente prestativo para com ele. O leitor da Bíblia sabe que depois Labão acabou por enganar a Jacó, mas na passagem supracitada nega-se a tratá-lo como mais um de seus servos dando-lhe o privilégio de escolher o seu salário. Os promotores do paraíso na terra usam-na para inculcar na mente de seus ouvintes que eles devem fazer o mesmo diante de Deus. Outra passagem (uma das mais surrupiadas por eles) é:
"Mas Gideão lhe respondeu: Ai, Senhor meu, se o Senhor é conosco, POR QUE TUDO ISSO NOS SOBREVEIO? E que é feito de todas as suas MARAVILHAS que nossos pais nos contaram..." (Jz 6.13, ACF, Ênfase Acrescentada).Aqui os mestres da TP ensinam a suas presas que Gideão se revoltou e que eles devem mostrar também a Deus a sua revolta com seus reveses financeiros. Vemos que Gideão realmente questiona as palavras do anjo quando diz no versículo 12 "O Senhor é contigo, varão valoroso" (ARC). No entanto, teria Gideão demonstrado revolta ou uma fé abalada? Malhando trigo às escondidas (v.v 11) dos midianitas que subjugavam Israel naquele momento, naturalmente que a confiança de Gideão em Iavé estava abalada. Ele demonstra conhecer a Deus até então somente pela tradição e não por uma experiência pessoal. É tão factual isso que ele precisa mais adiante provar se o Senhor realmente é com ele (v.v 17-22). Portanto, não há razão para crermos que Gideão vociferou e colocou Deus contra a parede reivindicando Suas bênçãos. Isso está fora de cogitação para o cristão, pois Jesus nos ensina na oração do Pai Nosso a termos reverência diante de Deus "Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, SEJA FEITA A TUA VONTADE, assim na terra como no céu" (Mt 6.10, ACF, Ênfase Acrescentada).
4.3 - A batalha espiritual contra Satanás e seus demônios
4.3a- A realidade da batalha:
O cristão tem no diabo e seus demônios seus verdadeiros inimigos (Ef 6.10,11). Isso é fato bíblico que não pode ser negado. Contudo, essa batalha espiritual ocorre independente do crente procurar travá-la ou não. O diabo não precisa ser desafiado para entrar em confronto conosco. As igrejas da TP têm uma obsessão por batalha espiritual. Seus pastores expõem as pessoas supostamente possessas ao extremo do ridículo ao ordenar aos demônios que se manifestem e depois chegam ao cúmulo de "entrevistá-los" para expor a plateia qual deles se trata. Edir Macedo insinua ser especialista em demonologia sincretista ao ter escrito o seu já referido Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?. Nas Escrituras, especialmente no NT, não vemos os apóstolos incitando as igrejas primitivas a fazerem da batalha espiritual o seu mote na vida cristã. O que encontramos é a recomendação, por exemplo, do apóstolo Tiago que nos preocupemos em nos sujeitar a Deus, que assim resistiremos ao diabo e ele fugirá de nós (Tg 4.7). Já Pedro recomenda-nos a sobriedade e a vigilância pela qual conseguiremos anular as ações de Satanás contra a nossa vida (1 Pe 5.8). Essa questão de sobriedade e vigilância nos leva a concluir que a nossa conduta é diretamente responsável pela eficácia ou não das investidas do adversário contra as nossas vidas. Nos círculos neopentecostais, porém, o diabo é o único responsável pelas agruras do cristão, por isso, precisa ser combatido. Como diz Maurício Mendonça:
"Não é primordialmente o pecado (individual ou social) que impede a posse dos bens, mas o Diabo, que age segundo o seu próprio arbítrio, contra quem o crente deve lutar. Uma vez que a responsabilidade fica por conta do fiel e do Diabo, cria-se uma linha de tensão entre a posse da bênção e a atuação diabólica...".Bastaria citarmos o caso de Jó (Jó 1.12; 2.6), onde Satanás precisou da permissão de Deus para afligi-lo, para derrubarmos esse pressuposto de que o diabo age segundo sua própria vontade e a seu bel prazer na vida do crente. Já quanto a prática neopentecostal de "entrevistar" os supostos demônios, quando Jesus perguntou aos espíritos malignos que oprimiam o homem gadareno "Qual é o teu nome?" e eles responderam "Legião é o meu nome, porque somos muitos" (Mc 5.9, ACF), o Senhor quis mostrar ali a que extremo o ser humano pode chegar quando rejeita a graça de Deus, já que uma legião correspondia a cerca de 5.000 ou 6.000 soldados no exército romano. Em nenhuma outra passagem há registros de Jesus perguntando novamente o nome específico do demônio opressor. A espetaculosidade, portanto, fica a cargo dos mestres da TP.
4.3b- Os milagres e o Evangelho:
Os milagres não são um fim em si mesmos. Os pregadores da prosperidade, porém, têm feito deles o eixo central de sua mensagem. E o pior: predomina em seus cultos a banalização e o sensacionalismo pelas supostas curas milagrosas. Neste quesito destaca-se a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD),de Valdemiro Santiago. Prega-se mais os milagres do que a Jesus. É o milagre pelo milagre! Arrependimento, conversão e regeneração são assuntos relegados a segundo plano. Precisamos atentar que:
- A salvação é a mensagem central de Cristo e do Evangelho (Mt 4.17; Mc 1.15);
- A abordagem do Evangelho precisa enfatizar o "Novo Nascimento" (Jo 3.3,5); a transformação de caráter (2 Co 5.17; Cl 3.9,10) e a regeneração da alma (1 Pe 1.23);
Nem todo milagre é sinônimo de aprovação divina, pois alguns charlatões tentarão argumentar com Jesus na Sua volta e ouvirão dEle:
"Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome NÃO EXPULSAMOS DEMÔNIOS? e em TEU NOME NÃO FIZEMOS MUITAS MARAVILHAS? E então lhes direi abertamente: NUNCA VOS CONHECI; APARTAI-VOS DE MIM; VÓS QUE PRATICAIS A INIQUIDADE (Mt 7.21-23, ACF; Ênfase Acrescentada);
- Nem toda manifestação sobrenatural vem de Deus (2 Co 11.13-15).
APÊNDICE
Frases e flagras
- "Comece hoje, agora mesmo, a cobrar dEle tudo aquilo que Ele tem prometido... Tudo aquilo que Ele promete na sua palavra é uma dívida que tem para com você... Quando pagamos o dízimo a Deus, ele fica na obrigação (porque prometeu) de cumprir a Sua palavra, repreendendo os espíritos devoradores" (Edir Macedo, Vida Com Abundância, p.p. 36).
- "... não precisamos pedir ao Senhor a bênção, mas exigir que ela se manifeste em nossa vida" (R.R. Soares, Como Tomar Posse da Bênção, p.p. 17).
- "Deus deseja ser nosso sócio... As bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força,o nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é dEle (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer" (Edir Macedo, Vida Com Abundância, p.p. 85-86).
- "A maioria do povo de Deus está fazendo exatamente o oposto do que deveria ser feito. Ora, jejua, suplicando ao Senhor para dar-lhe algo, que, na verdade, ele já concedeu" (R.R. Soares, Como Tomar Posse da Bênção, p.p 18).
- "É necessário dar o que não se pode dar. O dinheiro que se guarda na poupança para um sonho futuro, esse dinheiro é que tem importância, porque o que é dado por não fazer falta não tem valor para o fiel e muito menos para Deus" (Edir Macedo, Isto É Senhor, 22/11/1989).
- "É preciso crer que se fará o que falamos. Não é por precisar,desejar, crer, orar ou pedir que iremos receber, mas por falar ou determinar" (R.R. Soares, Como Tomar Posse da Bênção, p.p. 73).
- "Aqueles que veem as doações com maus olhos,ou seja,do ponto de vista meramente mercadológico, principalmente do lado da Igreja, também têm dificuldades para compreender a razão da vinda do Filho de Deus ao mundo... haja vista que a oferta está intimamente relacionada com a salvação eterna em Cristo Jesus" (Edir Macedo, O Perfeito Sacrifício: o Significado Espiritual do Dízimo e Ofertas, p.p. 14).
- "Depende apenas de você o que será feito de sua vida, pois quem decide nosso destino somos nós mesmos... É preciso buscar o que você quer; fazer a sua parte, e então falar ousadamente com Deus, revoltado com a situação..." (Edir Macedo, Mensagens, p.p. 28).
*As passagens de Mc 11.24 e Jo 14.13 são absolutas? Isto é, tudo que pedimos em nome de Jesus será feito?
A boa regra da hermenêutica nos responde que:- Precisamos estar na Videira Verdadeira, isto é, em Cristo (Jo 15.7);
- As petições egoístas não serão atendidas (Tg 4.3);
- Precisamos guardar os Seus mandamentos e fazer o que Lhe agrada (1 Jo 5.14);
- As petições atendidas são segundo a vontade de Deus (1 Jo 5.14).
Referências
Artigos e bibliografias:
-Chute Na Santa (Wikipedia)
-Phineas Parkhust Quimby (Wikipedia)
-Mary Baker Eddy (Wikipedia)
-Essek Kenyon (Wikipedia)
-As Origens da Teologia da Prosperidade (Iba Mendes)
-Teologia da Prosperidade (Blog "Seguindo Aos Seus Passos")
-A Teologia da Prosperidade (Maurício Mendonça)
-Veja Como o "Bispo" Edir Macedo se Apropria Cada Vez Mais de Símbolos Ancestrais do Judaísmo Para a Igreja Universal (Postagem de Ricardo Setti em reportagem de Juliana Linhares e Thaís Botelho na edição impressa de Veja, de 07 de agosto de 2014)
-Edir Macedo (Wikipedia)
-Ex-bispo da Igreja Universal Conta Tudo (Blog de Vini Silva)
-R.R.Soares (Wikipedia)
-Valdemiro Santiago (Wikipedia)
-Edir Macedo (Revista Isto é Senhor de 22 de novembro de 1989)
Livros:
-Vida Com Abundância (Edir Macedo, Editora Unipro, 2000)
-Como Tomar Posse da Bênção (R.R. Soares, Graça Editorial, 5ª ed., 1997).
-Orixás, Caboclos e Guias, Deuses ou Demônios (Edir Macedo, Editora Unipro, 1997)
-O Perfeito Sacrifício: o Significado Espiritual do Dízimo e Ofertas (Edir Macedo, Gráfica Universal, 2004)
-Mensagens (Edir Macedo, Unipro, 2010)
-Cristianismo em Crise (Hank Hanegraaf, CPAD, 1996)
Vídeos:
-Edir Macedo Ensinando os Pastores a Roubar Na Igreja Universal (Vídeo postado no you tube por Carlos Nunes-Publicado em 16 de junho de 2011)
-Reportagem 61 Jornal Nacional, Chute Na Imagem (Vídeo postado no you tube por Celio Burns-Publicado em 18 de janeiro de 2015).
Me senti realizado ao ler esse artigo. Tudo o que eu gostaria de possuir como argumentação para combater esse falso evangelho encontrei no seu blog. Desde já lhe agradeço pelo empenho. Isso ajudará a abrir os olhos de muita gente que está sendo enganada.
ResponderExcluirFalso obreiros! Vão dar conta disso a Deus.
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